sábado, 30 de novembro de 2019

ALGUMAS LIÇÕES A PARTIR DA CONJUNTURA ATUAL





                                                             


Por Ivo Tonet


Introdução

Como se pode ver, inúmeras e importantes lutas estão sendo travadas em várias partes do mundo (Argélia, Iraque, Palestina, Líbano), mas especialmente na América Latina (Venezuela, Chile, Bolívia, Colômbia, Equador, Haiti). Algumas delas, de uma rara intensidade e com ampla participação das classes subalternas, como no Chile, na Bolívia, no Equador, na Colômbia e no Haiti. Em outros países, os embates ainda se desenrolam no âmbito eleitoral, como na Argentina e no Uruguai.

No entanto, nenhuma delas – como tônica - põe em questão o sistema como um todo, apenas a sua forma – neoliberal – mais perversa. Nenhuma delas põe como objetivo a superação radical do capital e do seu instrumento mais importante de manutenção - o Estado. Apenas exigem uma diminuição da desigualdade social, a vigência do sistema democrático e do chamado Estado de Direito. Sobrepondo-se a todos os outros, o problema fundamental, cotidianamente martelado por inúmeros intelectuais e organizações, num amplo espectro que vai do liberalismo a variadas posições de esquerda (em um sentido muito amplo), parece ser a preocupação com o sistema democrático. Ressoam, a todo momento os alarmes: a democracia está em vertigem, está sob ataque, está em tensão, está sendo ameaçada, etc.

Diante dessa situação, o exercício da razão é de fundamental importância. Uma análise séria não pode deixar-se levar apenas pela emoção. Também não basta denunciar e criticar os desmandos e as brutalidades das medidas adotadas pela burguesia. Certamente, a denúncia e a crítica são necessárias, mas totalmente insuficientes. É de capital importância buscar entender, à luz do materialismo histórico, o sentido dessas lutas. Não só as suas possibilidades, mas também, e de modo especial, os seus limites.

Valha deixar muito claro que não se trata de pretender ditar regras a partir do conforto de um escritório, mas de buscar extrair lições genéricas que possam contribuir para iluminar os caminhos das lutas futuras.

É nesse sentido que esse breve texto é escrito. Que lições – genéricas – podem ser extraídas dessas lutas que estão em andamento e que, no futuro próximo, tendem a se intensificar?
Gostaríamos de esclarecer, antes de entrar in medias res, que não pretendemos refletir de um ponto de vista da ”sociedade em geral”, de “um país” ou de uma “nação”, mas de um ponto de vista de classe, mais especificamente, do ponto de vista da classe trabalhadora, uma vez que entendemos que ela é, por sua natureza e pelos objetivos que dela brotam, a portadora dos interesses mais elevados da humanidade.

O que observamos?

Observando o panorama mundial, o que percebemos, de modo imediato?
Uma profunda crise do capital, que atinge todas as dimensões da vida humana – econômicas, políticas, sociais, educativas, jurídicas, culturais, artísticas, pessoais, etc.
Um enorme aumento da desigualdade social e uma intensa concentração de riqueza em poucas mãos, com o consequente cortejo de problemas sociais de toda ordem – miséria, pobreza, fome, racismo, feminicídio, homofobia, mercantilização e degradação dos serviços públicos, devastação da natureza, etc.

Uma grande intensificação das lutas sociais as mais diversas em várias partes do mundo.
Em resposta a essa profunda crise, observamos que estão sendo tomadas, pelos diversos governos, medidas que contribuem, de modo geral, para aprofundar ainda mais todos os problemas sociais. Como resposta à intensificação das lutas sociais, vemos um grande aumento da violência estatal e paraestatal, criminalizando e reprimindo essas lutas. A par disso, também percebemos uma tendência a avanços significativos de partidos de direita e de extrema direita não só em países periféricos, mas até em países de longa tradição democrática,

Também observamos que todas essas lutas não têm conseguido barrar os avanços da direita e até da extrema direita. Pelo contrário, estas têm se tornado cada vez mais fortes e mais agressivas.
Como se pode perceber, ainda, a tônica de todas as lutas sociais, de amplas massas, que se insurgem contra os efeitos perversos da crise atual, não tem sido posta na superação radical da desigualdade social – implicando a extinção do capital e do Estado - mas na defesa de direitos e melhorias já conquistados, do sistema democrático ou apenas na diminuição da desigualdade social. De modo geral, é contra o neoliberalismo que se volta a ira das amplas massas e não contra o capital. Por sua vez, no âmbito do que se pode chamar, em um sentido muito amplo, de esquerda, predominam duas posições: uma, que propõe levar cada país a se tornar soberano, independente e desenvolvido. Outra, que propõe chegar ao socialismo através do próprio “jogo democrático”. 

Buscando entender

Para não permanecer nesses aspectos fenomênicos, reais, mas que representam apenas a face mais imediata da realidade, é preciso, como nos indica o método histórico-materialista, começar pela busca das suas raízes materiais.

Tendo em vista que o trabalho é a categoria fundante do ser social, é forçoso, para entender a situação atual, começar pela forma específica do trabalho que funda a sociedade capitalista. Trata-se, portanto, de começar pela compreensão da natureza e da lógica do capital. Sabemos, desde Marx, que o capital se caracteriza por resultar da compra-e-venda de força de trabalho. Sua lógica implica uma acumulação constante e cada vez mais mundialmente expansiva. Essa acumulação, por sua vez, é acompanhada, sem que seja de modo linear, pelo crescente aumento da desigualdade social, pela concentração de riqueza em poucas mãos e por crises periódicas.

Na esteira de Mészáros, entendemos que a crise atual não é apenas uma das tantas crises que periodicamente afetam o capital, mas que se trata de uma crise que atinge até suas estruturas mais profundas. Uma crise estrutural. Como resposta a essa crise, o capital, através de seus operadores, reestruturou todo o processo produtivo, intensificou, no âmbito econômico, a exploração dos trabalhadores, a flexibilização, a precarização, a privatização e a mercantilização de empresas e serviços públicos, o consumismo, a financeirização e as políticas de austeridade fiscal. Além disso, nesse processo também se intensificaram as contradições entre as burguesias dos diversos países e entre frações burguesas no interior de cada país. No âmbito político, o Estado foi reconfigurado de modo a subordiná-lo mais diretamente aos interesses das classes dominantes. E, no âmbito social, ao tempo que eram suprimidos e/ou fragilizados muitos direitos e melhorias sociais duramente conquistados, algumas migalhas foram deixadas cair nas mãos das classes subalternas.

As consequências são bem conhecidas. Como apontado acima: um enorme incremento da desigualdade social, com o consequente cortejo de problemas sociais de toda ordem.
Diga-se, de passagem, que essa crise, com todas essas perversas consequências, não é resultado de alguma incapacidade de produzir riqueza suficiente para o atendimento das necessidades de todos os seres humanos. Pelo contrário, é pelo excesso de capacidade de produzir riqueza, porém sob a forma da propriedade privada capitalista.

Em termos das lutas sociais, revelaram-se duas grandes consequências: de um lado, as classes dominantes, tendo em vista a defesa dos seus interesses, se tornaram cada vez mais violentas, lançando mão, para esse fim, de todos os meios, violentos e/ou pacíficos, legais e/ou ilegais, democráticos e/ou ditatoriais. De outro lado, insurgindo-se contra as perversas consequências sociais acima mencionadas, as lutas das classes subalternas também se tornaram cada vez mais intensas. Cabe, porém, indagar: quais as suas possibilidades e os seus limites? Podem elas alterar substancialmente esse processo que aprofunda cada vez mais a desigualdade social? Podem opor-se à lógica perversa do capital e abria caminho para a construção de um mundo onde as necessidades de todos possam ser efetivamente atendidas? Se não podem, por que não podem e qual o caminho para alcançar esse objetivo?

O sentido das lutas sociais

Sem deixar de reconhecer a heterogeneidade dessas lutas, pode-se afirmar que a tônica de todas elas é, como já apontado inicialmente, a defesa de direitos e melhorias já conquistados, a reivindicação da diminuição da desigualdade social e a defesa do sistema democrático. Em nenhum momento a superação integral do capital e muito menos do Estado e a construção de uma sociedade comunista são postas como objetivos. Em resumo, busca-se uma sociedade mais igualitária, menos injusta e mais democrática. Mesmo quando se fala em socialismo, trata-se, na verdade, apenas, de uma ampliação do sistema democrático e da diminuição da desigualdade social, sem que isso implique uma ruptura radical com o capital.

Entre a maioria dos partidos de esquerda – em sentido muito amplo – vigoram, de modo geral, dois tipos de convicções. Por um lado, aqueles que apostam na possibilidade de levar, pelo caminho do desenvolvimento e da democracia, cada país a atingir o estatuto de que gozam os países do chamado primeiro mundo. Este é o caminho reformista: a conquista do desenvolvimento, da soberania e da independência. Por outro lado, aqueles que defendem o chamado caminho da reforma revolucionária, ou seja, uma trajetória que, através da participação no “jogo democrático”, tensionaria cada vez mais a relação entre capital e democracia orientando, assim, todo o processo em direção ao socialismo.
Mas, há, em todo esse processo, um elemento pouco ou nada mencionado e que também integra, de modo essencial, a caracterização da conjuntura atual. Trata-se da perda, pela esquerda, da perspectiva revolucionária. Um processo extremamente complexo, que teve seus inícios já em meados do s. XIX e que envolveu elementos objetivos e subjetivos. A nosso ver, o epicentro desse processo foi a perda ou o desconhecimento da centralidade, ontológica e política, do trabalho e sua substituição pela centralidade da política. O resultado foi que, no enfrentamento entre capital e trabalho, o reformismo e o politicismo se tornaram a tônica de todas as lutas. Desnecessário dizer que isto implicou enormes reformulações do pensamento revolucionário de Marx, eliminando dele suas características mais marcantes: seu caráter radicalmente crítico e sua perspectiva de uma transformação radical do mundo.

Desse modo, todas as lutas, inclusive as mais intensas, não têm como objetivo a superação radical do capitalismo, mas apenas a sua melhoria. De modo geral, luta-se apenas contra o neoliberalismo, que é somente uma expressão específica do capital e não contra o próprio capital. Do mesmo modo, não se luta para destruir o Estado, mas apenas para exigir dele medidas que melhorem a vida das classes subalternas. Expressão maior disso é o falso dilema que se faz entre ditadura e democracia, como se estas duas categorias se opusessem de forma antagônica. Não se percebe que ditadura e democracia são apenas formas políticas do capital, das quais ele lança mão na exata medida das suas necessidades. Olvida-se que a verdadeira oposição se dá, do ponto de vista econômico, entre capital e trabalho e, do ponto de vista político, entre ditadura e democracia de um lado e emancipação humana, liberdade plena, de outro.

Como se pode ver, examinando as últimas décadas, especialmente na América Latina, tivemos um ciclo de governos ditatoriais, seguido de um ciclo de governos democráticos. Recentemente, de novo, outro ciclo de governos de caráter autocrático, ainda que revestidos de formas democráticas. Com todas as diferenças que existem entre os processos que transcorreram, e ainda estão em curso, nessas últimas décadas, na Argentina, no Brasil, na Bolívia, no Chile, no Equador, no Haiti, em Honduras, no México, Paraguai e no Uruguai, há algo muito importante em comum. Trata-se das seguidas derrotas, frente a forças conservadoras e cada vez mais reacionárias, de projetos que se propunham a transformar em profundidade a realidade desses países. Seria de esperar, diante disso, uma autocrítica em profundidade, que buscasse as razões dessas derrotas. Bem ao contrário, como resumidamente afirmou Lula recentemente, referindo-se ao PT, mas podendo ser estendido a todos os outros partidos portadores desse projeto: “O PT não precisa fazer autocrítica”! Em todos esses casos, veem-se essas derrotas como interrupções de um projeto que precisa ser retomado. A luta é deslocada da relação capital versus trabalho, capitalismo versus socialismo para o terreno da democracia versus ditadura. Com isso, essa esquerda, mesmo diante de sucessivas derrotas e da intensificação das lutas sociais, continua apostando no “jogo democrático”. Não caberia perguntar: esses caminhos, que pretendem atingir o desenvolvimento ou o socialismo por intermédio do “jogo democrático”, são viáveis? Qual a sua fundamentação? Se não são, por que não são e qual seria, então, o caminho a seguir? A resposta séria a essas indagações implicaria o resgate da perspectiva revolucionária de Marx, especialmente a relação entre o momento ontológico e o momento histórico-social, coisa que foi abandonada há muito tempo por essa esquerda.

Três nos parecem ser os argumentos principais que embasam a posição reformista. Primeiro: a ideia de que não existe uma dependência ontológica entre capital e democracia. A democracia seria muito mais o resultado das lutas dos trabalhadores contra a burguesia do que o resultado, em essência, da lógica do capital. Daí porque ela, liberada dos entraves postos pelo capital, poderia propiciar a melhor forma possível – indefinidamente aperfeiçoável – da convivência humana. Segundo: a convicção, nascida da degeneração de todas as tentativas revolucionárias socialistas, de que o caminho revolucionário fatalmente levaria a formas ditatoriais. Terceiro: a crença na possibilidade de que, com políticas, especialmente econômicas, adequadas, se poderia alcançar o nível de desenvolvimento atingido pelos países do chamado primeiro mundo.

Esses três argumentos fundamentariam a aposta nesse caminho sintetizado na expressão atribuída a Lula: “Hoje nós ganhamos, amanhã perdemos, depois ganhamos de novo....essa é a beleza da democracia”!

Esses três argumentos, como já demonstramos em outros textos (O fim da democracia burguesa, Contra o reformismo e o politicismo), têm a aparência de verdade, mas são inteiramente falsos. O primeiro porque há, sim, uma dependência ontológica do Estado e, por consequência, da democracia moderna, em relação ao capital. Não se trata, evidentemente, de uma dependência absoluta, mas relativa. Em todo caso, real. Isso não invalida o fato de que a forma concreta da democracia é muito mais resultado da luta dos trabalhadores do que doação da burguesia. Todavia, na própria configuração do sistema democrático, como resultado da luta de classes, a burguesia sempre levou vantagem, organizando-o de modo a proteger, sempre, os seus interesses. Não há que ter ilusões: o verdadeiro poder não está na esfera do Estado, mas no âmbito da economia, no caso em tela, do capital. O poder político democrático não é proletário, é burguês. Sua função essencial é defender os interesses da burguesia, mesmo que para isso tenha que fazer concessões aos trabalhadores. Desse modo, fica claro que não há uma oposição de raiz entre capital e democracia, mas apenas conflitos oriundos da própria natureza conflituosa da sociedade burguesa. O aludido argumento revela uma profunda incompreensão da natureza essencial da realidade social. Ao invés de se partir do trabalho como categoria fundante do ser social e de qualquer uma de suas formas, parte-se da dimensão política, como se esta fundasse a sociedade como sociedade. Uma concepção claramente liberal.

O segundo argumento é igualmente falso. Que até hoje, todas as tentativas revolucionárias socialistas fracassaram, é um fato inquestionável. Deduzir disto que o socialismo é inviável e que toda tentativa sempre levará a formas ditatoriais é extrair dos fatos mais do que eles permitem. A única conclusão razoável seria de que, até hoje, de fato, todas as tentativas falharam e levaram a formas ditatoriais. Afirmar, a partir disso, a impossibilidade absoluta do socialismo, é um raciocínio totalmente falso e claramente ideológico. Trata-se, isso sim, em boa ciência, de buscar as razões do seu fracasso e não de tirar conclusões apressadas e ideologicamente interessadas. O argumento histórico não é suficiente para concluir da possibilidade ou impossibilidade do socialismo. Para isso é preciso recorrer a um argumento de caráter ontológico, isto é, à natureza essencial da realidade social. O que essa natureza permite concluir é que são os seres humanos e exclusivamente eles que fazem a história, em sua integralidade. E que todas as formas até agora efetivadas sempre tiveram uma determinada forma de trabalho como seu fundamento. Desse modo, nada obsta, em princípio, que os próprios seres humanos superem, pela raiz (a forma do trabalho) esta forma de sociedade – capitalista – e construam outra forma – socialista. Vale advertir que se trata tão somente de uma possibilidade e não de uma inevitabilidade.

O terceiro argumento é igualmente falso. À luz da formação, dependente e subordinada, dos países periféricos, cada um com a sua especificidade própria, e, mais ainda, à luz da atual crise estrutural do capital e da atual divisão internacional do trabalho, pode-se concluir taxativamente que o acesso de qualquer desses países ao status de “primeiro mundo” é totalmente impossível. Para que isso fosse possível, seria necessário que se tivesse formado um sujeito, isto é, uma burguesia nacional, suficientemente forte e interessada em levar a cabo tal empreitada. Ora, nenhuma burguesia, de qualquer desses países, tem interesse em liderar o que seria a realização plena da revolução burguesa. Todas elas se encontram em uma situação tão dependente, subordinada e associada em relação às burguesias dos países centrais, mormente dos Estados Unidos, que não tem o menor interesse nem a capacidade de enfrentar as tarefas que seriam necessárias. Espasmos ou veleidades de independência e soberania, como tem se verificado na América Latina e em várias outras partes do mundo, são imediatamente esmagados pelo imperialismo.
Contrariando os argumentos acima mencionados em favor do caminho reformista, os fatos históricos também demonstram fartamente a impossibilidade desta via. Inúmeras foram as tentativas de trilhar o caminho da transformação de países periféricos em nações soberanas e independentes. Nenhuma teve sucesso.

Quais os argumentos que sustentam o politicismo, isto é, a proposta de confiar ao Estado, supostamente a favor ou em mãos dos trabalhadores, a tarefa de capitanear o processo em direção ao socialismo?

Vale lembrar, antes de mais nada, que todo reformismo é politicista, mas nem todo politicismo é reformista. Entendemos por politicismo a proposta de atribuir ao Estado a tarefa de dirigir a luta contra o capital de modo a realizar não apenas reformas, mas uma verdadeira ruptura com o capital.
Argumentam, os que assim pensam, que o Estado – que seria um Estado dos trabalhadores – seria um instrumento absolutamente necessário para dirigir a luta contra a burguesia. Cremos que essa afirmação padece de uma confusão entre poder político estatal e poder político não estatal. O poder político estatal, como sabemos desde Marx e Engels, é um corpo separado da sociedade, que surgiu com a propriedade privada e que foi configurado pelas classes dominantes. Sua função essencial é a defesa dos interesses dessas classes. Isto vale inclusive para o poder político que for exercido pelos trabalhadores. Todavia, há uma enorme diferença entre esses dois tipos de poder político. O primeiro é constituído por um corpo separado da sociedade e que exerce o domínio sobre ela, embora sempre a serviço dos interesses dos proprietários privados. O segundo, aquele exercido pelos trabalhadores, não será um corpo separado dos próprios trabalhadores, mas exercido sob seu controle direto. Uma revolução proletária só poderá ter sucesso se o poder político não se transformar em um corpo separado com poder de dominar os trabalhadores e o conjunto da sociedade. Por isso mesmo, Marx, ao analisar a Comuna de Paris afirma taxativamente que a classe operária tem que destruir o Estado burguês e retomar para si o poder político do qual foi expropriada, em geral, com o surgimento da propriedade privada e, de modo específico, com a propriedade privada de tipo capitalista. Repetimos: o Estado burguês deve ser destruído e não tomado e nem simplesmente modificado para estar a serviço dos trabalhadores. Vale, porém, lembrar que esta não é uma decisão subjetiva, mas uma imposição da própria realidade. Sem a destruição do Estado, principal sustentáculo da dominação burguesa é impossível abrir caminho para as transformações estruturais – de modo especial, a substituição do trabalho assalariado (produtor de valores de troca) pelo trabalho associado (produtor de valores de uso) que deverão fundar uma sociedade comunista.

Contrariando essa argumentação politicista, os fatos históricos têm demonstrado, à saciedade, que este caminho também é inviável. O caminho apontado pela realidade social, tanto no sentido ontológico, como no sentido histórico, implica a articulação entre a destruição do Estado burguês, a reabsorção do poder político pelo conjunto dos trabalhadores e as transformações substantivas no processo produtivo.

Lições

Que lições podemos tirar dessas constatações? Pensando sempre do ponto de vista dos interesses mais essenciais dos trabalhadores, em primeiro lugar, que, pelas razões acima apontadas, tanto o caminho reformista quanto aquele politicista, apesar de sua aparência de possibilidade, são absolutamente inviáveis. Infelizmente, hoje, a aparência de inviabilidade do comunismo e a aparência de viabilidade do reformismo e do politicismo são tão fortes que a maioria da esquerda (sempre em um sentido muito amplo) aposta nesses últimos caminhos, especialmente no primeiro. Basta ver o que acontece no Brasil, na Argentina, na Bolívia, no Uruguai, no Equador, na Colômbia, na Venezuela e em todos os outros países onde se desenrolam, no momento, fortes lutas populares. Todas elas têm como inimigos o neoliberalismo e o Estado repressor, mas não o capitalismo e, muito menos, o Estado em geral. Mesmo quando põem como fim o socialismo, pretendem que ele seja construído sob a direção do Estado. Daí a importância da crítica a esses caminhos, esclarecendo a natureza e a dinâmica do capital e suas perversas consequências tanto em relação à sociedade quanto em relação à natureza, a sua incontrolabilidade, a impossibilidade da sua humanização e a necessidade e a possibilidade da sua superação. Do mesmo modo, o esclarecimento acerca da origem, da natureza e da função social do Estado como instrumento sempre voltado à defesa dos interesses particulares das classes dominantes. Isto implica, também, a demonstração de que a formação dos países periféricos, em especial, da América Latina e, ainda mais especialmente, do Brasil seguiu uma trajetória tal que impossibilita, hoje, qualquer veleidade de se tornarem soberanos e independentes. Argumentam, muitas vezes, os defensores dos caminhos acima citados, que é melhor um governo de uma esquerda democrática do que um de direita e, mais ainda, ditatorial. Esquece, quem assim argumenta, a lógica do capital. Esta, como vimos, tende a aprofundar cada vez mais a desigualdade social e, com isso, obriga qualquer governo a fazer o que for necessário para preservar os interesses das classes dominantes. A parte que será destinada às classes subalternas sempre será constituída de migalhas. Além disso, a defesa dos interesses das classes dominantes face às rebeliões, que acontecerão mesmo com governos democráticos, exigirá de qualquer governo medidas repressivas cada vez mais intensas. Isso levará, fatalmente, a um desgaste cada vez maior de qualquer governo democrático, como se pode ver em inúmeros países latino-americanos. A curto prazo, a desilusão das massas com a impossibilidade de atender os seus reclamos pavimentará o caminho para governos ditatoriais – abertos ou encobertos – que prometerão resolver os problemas por meio da força. É o que temos presenciado seguidamente. A aposta nos caminhos reformista e politicista se revela, mais cedo ou mais tarde, um tiro no pé. Com brutais consequências para as classes subalternas.

Por isso mesmo, a segundo lição é de que o único caminho para uma solução positiva dos problemas que afligem a humanidade é a superação radical do capitalismo, pois sua natureza e sua dinâmica são os responsáveis fundamentais por eles. Como já vimos, o capital é incontrolável e sua humanização, impossível. Positivamente, a superação radical do capitalismo significa a construção de uma sociedade comunista. Infelizmente, com a perda da perspectiva revolucionária e o fracasso de todas as tentativas nesse sentido até hoje realizadas, a ampla maioria dos trabalhadores, mesmo daqueles que se indignam com as perversidades do capitalismo, têm uma ideia profundamente deformada do que seja comunismo e por isso não o colocam como objetivo maior. Preferem apostar em um objetivo aparentemente possível, mas, de fato, impossível, ou seja, a humanização do capitalismo, do que em um objetivo possível, mas que as aparências parecem caracterizar como impossível, o comunismo. Daí a importância da agitação e da propaganda para esclarecer a natureza e o significado de uma sociedade comunista. E, além disso, de fundamentar, de modo sólido e acessível, a possibilidade de uma tal sociedade. Afinal, as pessoas só lutam por algo em que acreditam.

Em terceiro lugar, e como decorrência dos anteriores, que, para atingir os dois fins acima propostos – a superação radical do capitalismo e a construção de uma sociedade comunista – a revolução dos trabalhadores é uma mediação inescapável. Infelizmente, por circunstâncias históricas, a ideia de revolução foi profundamente deformada, resumindo-se, essencialmente, ao seu momento político. Valha, então, esclarecer que, por evolução, entendemos, como elemento essencial, a eliminação da base material do capitalismo – o trabalho assalariado – e sua substituição pela base material do comunismo – o trabalho associado. Para isso, como apontado por Marx em A Guerra Civil na França, a destruição do Estado é conditio sine qua non.  Só assim os trabalhadores poderão realizar as transformações econômicas necessárias à construção da base material do comunismo e, por consequência, e em determinação recíproca com todas as outras dimensões da vida social, a configuração de uma sociedade plenamente humana.

Em quarto lugar, que o eixo das lutas sociais deve ser situado fora do parlamento e não dentro dele. Não se trata, de modo nenhum, de menosprezar e/ou desqualificar as lutas no interior do parlamento, mas de subordiná-las às lutas extraparlamentares. Mais ainda: situar o eixo das lutas fora do parlamento não significa apenas dar ênfase às lutas fora dele, mas que essas próprias lutas não desemboquem no parlamento. E, ainda mais: que essas lutas que, de modo geral, têm objetivos particulares, sejam articuladas com a luta mais geral pela superação do capital e do Estado e pela construção de uma sociedade comunista.

Em quinto lugar, que é de capital importância resgatar, teoricamente, a perspectiva revolucionária. Considerando o rebaixamento e as deformações que esse horizonte sofreu ao longo da luta entre capital e trabalho, essa tarefa assume uma importância difícil de enfatizar. Para isso, o estudo sério da obra de Marx é imprescindível. Por óbvio, seja dito que não se trata de estudar só Marx, mas também os outros clássicos do pensamento revolucionário e, seguindo o próprio exemplo de Marx, muitos outros autores, mesmo que não marxistas. Desse modo, não se trata de estudar só Marx, mas de estudar qualquer objeto e qualquer autor a partir dos pressupostos teórico-metodológicos instaurados por Marx. Pela simples razão de que os fundamentos da concepção de mundo – radicalmente nova – e do padrão científico – também radicalmente novo - por ele instaurados, ao responderem aos interesses mais profundos e de caráter universal da classe trabalhadora, são os que melhor permitem compreender a realidade social. Nesse sentido, vale lembrar que não se trata de nenhuma devoção a Marx. Trata-se, sempre, de ter como referência o processo real, pois também para ele, esse era o critério para aferir a verdade de qualquer teoria.

Em último lugar, mas não o menos importante, que a esquerda, se quer ser revolucionária, não pode ser ingênua. Tem que se preparar para enfrentar os mais duros embates, inclusive armados. As classes dominantes sempre deixaram e ainda continuam a deixar claro que estão dispostas a lançar mão de todos os meios – lícitos ou ilícitos, pacíficos ou violentos, legais ou ilegais, democráticos ou ditatoriais – para defender os seus interesses. A crueldade delas não tem nenhum limite. Basta olhar para a história. Paga-se um alto preço quando se esquece a luta de classes em todas as suas dimensões, com toda a sua brutalidade. Nenhum vezo humanístico, liberal, democrático ou civilizado impedirá a burguesia de lançar mão de todos esses meios na defesa dos seus interesses. Cabe à esquerda revolucionária optar pela ilusão ou pela realidade. Vale lembrar que o uso da violência não é uma questão subjetiva. A sociedade burguesa é violenta pela sua natureza. As formas da violência podem variar, mas ela sempre estará presente. A matriz da violência, nessa sociedade não se encontra nem no Estado nem nos órgãos repressivos. Encontra-se na fábrica. De lá é que ela se espraia para toda a sociedade. Desse modo, imaginar que se podem enfrentar todas as formas de violência dessa sociedade apenas com flores e disposições pacifistas é uma tremenda ingenuidade que se paga muitíssimo caro.

À guisa de conclusão

A roda da história, feita girar pela dinâmica do capital, anda cada vez mais depressa. Os problemas da humanidade são cada vez mais graves, prementes e ameaçadores. Urge enfrentá-los com radicalidade. A nosso ver, não existem três alternativas. Apenas duas. Como já foi dito e redito: socialismo ou barbárie. E não existem dois caminhos para enfrentar e resolver positivamente esses problemas. Apenas um: a transformação radical do mundo, a superação integral do capitalismo.


Referências bibliográficas
MARX, K. A guerra civil na França. São Paulo, Boitempo, 2011
____, Glosas críticas marginais ao artigo O Rei da Prússia e a Reforma Social. De um prussiano. São Paulo, Expressão Popular, 2010
MÉSZÁROS, I. Para além do capital. São Paulo, Boitempo, 2006
LESSA, S. O que é o socialismo. In: sergiolessa.com
TONET, I. Sobre o socialismo. São Paulo, Instituto Lukács, 2012
_____, Estudar Marx. In: ivotonet.xp3.biz
_____, Descaminhos da esquerda – da centralidade do trabalho à centralidade da política. São Paulo, Alfa/Ômega, 2009
_____, Contra o reformismo e o politicismo.  In: ivotonet.xp3.biz
_____, O fim da democracia burguesa. In: Novos Rumos, v. 55, n. 2, (2018)
_____, Trabalho associado e revolução proletária. In: ivotonet.xp3.biz
_____, Trabalho associado e extinção do Estado. In: ivotonet.xp3.biz
















sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Governo Bolsonaro, política e classes sociais: os nove primeiros meses


Resultado de imagem para bolsonaro medonho"


Sergio Lessa

Passados pouco mais de nove meses do governo Bolsonaro, é hora de uma avaliação, por mais preliminar, dos fundamentos sociais de sua dinâmica tendo em vista o levantamento de alguns elementos que auxiliem na discussão de uma tática para seu enfrentamento. Para tanto, é imprescindível que iniciemos com algumas observações acerca da burguesia, do estamento político-burocrático e da aristocracia operária.

A burguesia interna
Nos anos de 1960 predominava a visão segundo a qual o Golpe de 1964 teria sido o fim de uma burguesia nacional, portadora de um projeto nacionalista e que encarnava a possibilidade de um capitalismo nacional e soberano. Era afirmado que, com a Ditadura Militar teria saído vitoriosa, contra a burguesia nacional patriótica, a aliança entreguista das oligarquias com o capital estrangeiro. Tal visão enxergava no Golpe Militar a retomada, nas condições históricas de 1964, da continuidade do desenvolvimento que se estende deste 1500: brutal concentração de renda, não menos brutal exploração dos trabalhadores e o envio para os países imperialistas das riquezas aqui produzidas. Se Caio Prado Jr. é o clássico desta vertente, Otávio Ianni, em O colapso do populismo, possivelmente tenha delineado o quadro plasticamente mais claro desta concepção: a industrialização pela substituição das importações, que predominou desde 1930 até 1955, entrou em seu ocaso com o Golpe Militar. Este teria inaugurado uma nova etapa econômica, centrada na exportação de bens primários e na entrada maciça das multinacionais (o desenvolvimento associado ao capital estrangeiro, como ele denominou).
Hoje é questionável, para se dizer o mínimo, até mesmo a existência de uma tal burguesia nacional patriótica e, por consequência, da exequibilidade histórica de uma frente nacional-desenvolvimentista anti-imperialista no período posterior à Segunda Grande Guerra. Um dos elementos históricos que mais pesam nesta revisão são as inúmeras linhas de continuidade que articulam a burguesia do pós-guerra à burguesia dos nossos dias. Muito mais do que ruptura, parecem ser os traços de continuidade o momento predominante nesta evolução
Outros elementos podem também ser citados: o apoio de importantes setores da burguesia ao Governo Dutra, a oposição da mesma burguesia ao segundo governo Getúlio e o seu apoio às tentativas golpistas interrompidas pelo suicídio de Vargas em 1954 e, por fim, o significativo apoio desta mesma burguesia ao Golpe de 1964. Em todos estes momentos chaves, a tal burguesia nacionalista, interessada em um capitalismo autóctone e soberano, não se fez presente ou se fez de modo débil. Mesmo naqueles anos em que seu capital era fundamentalmente nacional, ainda não internacionalizado, a burguesia no Brasil esteve longe de ser portadora da possibilidade de um capitalismo autóctone, de um projeto nacionalista. As vacilações de Jango Goulart nos dias do golpe, a falta de uma base parlamentar antigolpista mais sólida, a incapacidade do movimento camponês e operário (e do PCB e de outras organizações da esquerda) em montarem uma resistência digna do nome etc. são também expressões vivas da carência de base social real para o projeto capitalista-nacionalista que, se pretende, teria sido destruído em 1964.
Do conjunto das razões históricas que estão na inexistência de uma burguesia nacional, na acepção do termo, ocupa lugar decisivo o fato de que o capital da industrialização pela substituição das importações ter sido oriundo do Ciclo do Café, o que fez da burguesia, naquelas condições de industrialização limitada, uma classe com intensos laços econômicos, sociais e políticos com a oligarquia tradicional.
O Golpe de 1964 não foi uma ruptura tão profunda e uma virada tão radical em nossa história quanto se concebia. A cassação de parlamentares, a censura à imprensa, o fechamento de partidos e sindicatos foram as medidas necessárias para a implementação das reformas econômicas de Roberto Campos. Estas, ao abrirem o país às multinacionais, aprofundaram a crise econômica já instalada, promoveram uma onda de falências, um aumento do desemprego e ainda mais miséria. Isto até os anos de 1968-9, quando se iniciou o Milagre Brasileiro. Ainda que parte dos empresários nacionais tenha quebrado nestes anos, a fatia mais importante da burguesia brasileira apoiou ou se adaptou à nova realidade econômica e, mais cedo do que mais tarde, tirou proveito da entrada do capital estrangeiro, da ampliação da produção industrial promovida pelas multinacionais, do crescimento urbano trazido pela industrialização acelerada e das novas possibilidades econômicas inerentes ao aumento do capital em circulação.
A existência de um projeto nacionalista que teria por base a burguesia brasileira não passou, ao fim e ao cabo, de uma grande ilusão. Uma grande ilusão que se baseia em outra não menor, ainda viva entre nós: a da possibilidade de um capitalismo nacional que não sirva ao imperialismo, que mantenha no Brasil as riquezas aqui produzidas para promover uma distribuição de renda que alavanque o crescimento do mercado interno e da indústria nacional. No final dos anos de 1980, esta ilusão se renovou e adquiriu uma nova formulação: mesmo se mantendo o capitalismo, seria possível a realização entre nós de um Estado de Bem-estar e, assim, realizaríamos aqui o capitalismo de face humana tão propalado pela esquerda democrática. O fracasso estratégico dos governos petistas deveria ter enterrado definitivamente esta ilusão, mas isto ainda está para ser visto.
Não se pode encontrar na história do país uma tal burguesia anti-imperialista e disposta a se aliar aos operários e trabalhadores, aos camponeses e aos intelectuais, ao redor de um projeto de desenvolvimento do capitalismo nacional. Caio Prado Jr., Celso Furtado, Nelson Werneck Sodré e tantos outros foram vítimas de um perverso artifício metodológico, o de se deduzir a história a partir de categorias a priori. Como ocorre com frequência, este artifício metodológico se apoia em uma concepção e um projeto políticos. No caso em questão, na ilusão de que no pós Segunda Grande Guerra estaria aberta a possibilidade de um ruptura definitiva do Brasil com seu passado colonial através de uma frente nacionalista e democrática de operários e demais trabalhadores com a burguesia. Pelo contrário, o que se mostrou historicamente viável foi o fortalecimento e desenvolvimento do essencial do nosso passado colonial.

Após a década de 1970, a profunda industrialização do país com base nas multinacionais levou à internacionalização do capital nacional e alterou o perfil das classes sociais. A classe assalariada urbana se expandiu junto com o crescimento das cidades e a classe operária ganhou sua primeira feição fordista. Mesmo a burguesia que reproduz seu capital no país articulou-se, pelos incontáveis liames do capital financeiro, ao grande capital internacional, ela é antes uma burguesia interna[1] que se reproduz em articulação com o imperialismo do que uma burguesia nacional, no sentido de ser portadora da possibilidade de uma alternativa anti-imperialista.
Este desenvolvimento conduziu ao amadurecimento de uma burguesia homogênea e unificada no que diz respeito ao acordo em se manter subordinada ao grande capital mundial e, contudo, contraditória e heterogênea quando se trata da divisão entre os seus setores da mais-valia extraída dos operários e trabalhadores produtivos no território nacional. Nada surpreendente se levarmos em consideração que no último quarto do século 20 a intensificação da internacionalização da economia nacional partiu de um estoque já existente da burguesia local, estoque este que possibilitou uma simbiose do capital local com o internacional. O grande capital precisou realizar menos investimentos na medida em que pôde contar com um capital local que, de boa vontade, se adaptou às demandas postas pelo capital internacional e, por sua vez, o capital local pôde elevar sua lucratividade e sobreviver em uma parceria em que é sócio menor do imperialismo mundial. Aceito o seu caráter subordinado, a sinergia do capital local com o mundial tornou-se uma possibilidade muito lucrativa. Foi assim que a internacionalização da economia brasileira no período neoliberal desenvolveu também a burguesia interna ao lado e em articulação com a burguesia internacionalizada e o capital mundial.

De FHC a Lula
Entre a era FHC e a era Lula, temos um aumento da presença da burguesia interna no centro do poder executivo. Enquanto nos governos FHC, o centro de gravidade do poder executivo estava com o capital internacional e seus sócios internos, nos governos petistas ele se deslocou em direção à burguesia interna, sem com isso, obviamente, promover uma ruptura com o capital internacionalizado e o capital mundial. Pois, entre outras coisas, há divergências e disputas típicas da concorrência entre os diferentes setores do capital pela apropriação da riqueza produzida no país, mas não um autêntico antagonismo entre a burguesia interna e o restante do capital. Por vezes como se deu no início dos anos Lula o desenvolvimento de um setor é mesmo compatível ou complementar com os interesses do capital no seu todo.
A burguesia interna, então, tentou sua cartada mais ousada: constituir a si mesma como um elo internacional da cadeia imperialista, um elo que exploraria as nações mais atrasadas que o Brasil naqueles nichos que não interessassem ao grande capital internacional ou nos quais pudesse com sucesso concorrer com ele. O fato de o apoio do Estado ser fundamental a este projeto resultou em que esta camada da burguesia se tornou tanto mais dependente do Estado quanto, no Estado, o poder do estamento político-burocrático cresceu na medida em que aumentava a importância dos investimentos estatais na economia (votaremos sobre este aspecto logo abaixo).
Ilustrativo, nesta contraposição entre a era FHC e a era petista, as diferenças entre duas figuras oriundas da esquerda estudantil dos anos da Ditadura: Sergio Motta com as privatizações nos governos do PSDB e José Dirceu e a tentativa de montar uma base parlamentar para a aliança do PT com a burguesia interna (o mensalão). No primeiro caso, tivemos a privatização do capital estatal mais lucrativo e sua entrega ao grande capital internacional; no segundo, a busca de uma base parlamentar para a política petista mais próxima à burguesia interna do que nos anos FHC[2]. Quando da descoberta do pré-sal, esta contraposição tornou-se ainda mais clara. O PSDB e o DEM defendendo a entrada do grande capital mundial contra as políticas petistas que reservavam uma porção significativa do empreendimento à burguesia interna.
O primeiro elemento que nos parece importante para entendermos os primeiros meses do governo Bolsonaro é este: a derrota do PT é também uma derrota da burguesia interna vis-à-vis a burguesia internacionalizada e o capital internacional. Esta derrota é a prova prática definitiva da impossibilidade de um capitalismo nacional que seja algo mais que a submissa extensão local do grande capital imperialista. É o enterro prático, se não teórico, de todo delírio nacionalista ou patriótico, mesmo que encarnado no sonho petista de promover multinacionais brasileiras.

A aristocracia operária
O segundo elemento é o aparecimento em nossa história da aristocracia operária a partir dos anos de 1980. Articulada às modificações na burguesia acima delineadas, a transformação da base econômica no período pós-64 deu origem a uma classe operária distinta da dos anos Getúlio Vargas[3]. Comparada com o proletariado do período entre 1930 e 1964, é agora geograficamente muito mais concentrada (fundamentalmente em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte); muito mais concentrada em enormes plantas industriais (as montadoras do ABC, por exemplo); muito mais fortemente marcada pela organização de trabalho taylorista. Foi neste novo contexto que tivemos não apenas o surgimento de uma classe operária mais numerosa, mas também de uma classe internamente mais heterogênea. Parte importante desta heterogeneidade foi marcada pelo crescimento da importância da mais-valia relativa (tanto pelo desenvolvimento tecnológico quanto pela industrialização dos bens de primeira necessidade) que, por sua vez, serviu de base social para o desenvolvimento da aristocracia operária[4].
Uma classe operária jovem, sem experiência política, marcada pela ascensão social promovida pela transição da vida rural à urbana, surgiu tendo já como liderança uma aristocracia operária com consciência e força social necessárias para arrebentar o velho sindicalismo pelego dos anos da Ditadura e o substituir pelo sindicalismo autêntico. As greves de 1978-9 marcaram a entrada em cena deste novo, jovem e imaturo proletariado liderado por uma aristocracia operária que em poucos anos se consubstanciaria em autêntica burocracia sindical e partidária. Como dizia Carlos Nelson Coutinho nos momentos em que manifestava seu espanto com a involução política do PT e da CUT, no Brasil completou-se em alguns poucos anos a trajetória dos organismos sindicais e políticos de base operária em direção à burguesia que, na Europa, levou décadas.
Não é necessário descrever o processo que levou o PT das suas origens à Carta aos brasileiros de 2001 e aos acordos que possibilitaram a vitória do PT na eleição presidencial daquele ano. O que queremos assinalar é que esta trajetória é também a montagem e consolidação de uma aliança entre a burguesia interna e o PT que, no final dos anos FHC, contou também com a complacência e mesmo apoio de parcelas da burguesia internacionalizado e do capital internacional. Nos anos até 2008, a economia brasileira foi favorecida pela entrada em larga escala de capitais internacionais e os petistas viveram seu apogeu. Graças a um programa de estímulos econômicos que transferia recursos públicos ao capital privado, aos elevados lucros dos bancos e industrias, ao financiamento promotor da expansão do agrobusiness, a um programa federal de distribuição de alguns poucos reais aos miseráveis (Bolsa família, bolsa gás, bolsa escola etc.) que lembra mais esmolas do que qualquer outra coisa e, por fim, a uma taxa de desemprego mais baixa, Lula se tornou unanimidade, de Barack Obama ao miserável nordestino.
Esta aliança da aristocracia operária com o capital interno e internacionalizado teve três consequências a serem assinaladas. 1) A primeira foi a realização, nas condições históricas brasileiras, de algo similar à aliança da aristocracia operária dos países imperialistas com as suas burguesias que caracteriza o Estado de Bem-Estar[5] e, depois, com o período trabalhista ou socialista do neoliberalismo (quando muitos partidos surgidos de base operária se prestaram a levar avante as reformas neoliberais que os partidos burgueses tradicionais não mais podiam fazer). Em nosso país, esta aliança serviu de base para as ilusões de que um Estado de Bem-estar estaria surgindo entre nós com a colocação em prática da Constituição de 1988 pelos governos petistas. Diferente dos países imperialistas centrais, no caso brasileiro esta aliança já nasceu no período de desaparecimento do Estado de Bem-estar e cumpriu apenas o papel de aprofundar entre nós o neoliberalismo. Também por esta razão perdurou por um período muito mais curto do que nos centros do imperialismo.
2) A segunda delas foi uma integração ao Estado, como nunca antes em nossa história, dos sindicatos, centrais sindicais e, por extensão, dos movimentos populares. Os mecanismos de contestação da ordem que haviam surgido sob a Ditadura Militar foram, um a um, sendo absorvidos e cooptados pelo Estado. Desde o Orçamento Participativo, o modo petista de governar até a República dos sindicalistas do primeiro governo Lula, os mecanismos dessa cooptação foram variados, mas o resultado foi sempre o mesmo. Nos sindicatos, o fortalecimento da burocracia quase sempre oriunda da aristocracia operária e o firme controle do movimento contestatório das bases. Típico desta degenerescência foi a CUT. Nos movimentos populares foi sua domesticação, quer pelo crescente eleitorialismo de seus dirigentes, quer pela cooptação por meio de cargos e verbas estatais. O mais melancólico processo neste sentido foi, sem dúvida, o do MST.
3) A terceira delas teve lugar nos momentos finais do governo Dilma. Ao se anunciar a derrota dos petistas, a CUT deixou os companheiros do PT na chuva. A burocracia sindical (oriunda da aristocracia operária) manobrou no sentido de manter aberto sua interlocução com os donos do poder. Se opuseram apenas pro forma ao impeachment da Dilma, se dispuseram a dialogar com Temer, colaboraram com a Reforma Trabalhista de Temer e com a Reforma da Previdência de Bolsonaro organizando pífias manifestações e desmobilizando a luta. A aristocracia operária revelou, uma vez mais, sua verdadeira alma: lugar-tenente da burguesia no interior do movimento operário (Engels): nem para os petistas ela se revelou um aliado seguro!
A presença e a atuação da burocracia sindical a partir de sua base social na aristocracia operária é o segundo elemento importante para compreendermos os primeiros nove meses do Brasil sob Bolsonaro. Ela é decisiva para manter a classe operária e os trabalhadores paralisados ante as inúmeras derrotas dos últimos anos.
O terceiro elemento importante é o estamento político-burocrático.

O estamento político-burocrático
A independência relativa do Estado para com as classes sociais, em particular para com as classes dominantes, tem no estamento político-burocrático uma das suas mediações decisivas. A independência existe porque não há identidade entre as classes dominantes no seu conjunto (o que inclui a concorrência entre os seus distintos setores) e o Estado. E a relatividade desta independência manifesta o fato de que o Estado é, por determinação ontológica, um instrumento das classes dominantes para aplicar cotidianamente a violência imprescindível à exploração do ser humano pelo ser humano. Ainda que o Estado seja imprescindível à reprodução da sociedade de classes, ainda que o Estado burguês seja imprescindível à reprodução do capital, para as classes dominantes ele sempre se revelou uma ferramenta imperfeita e de complicada aplicação no dia a dia. Além da história concreta das sociedades burguesas, com os infindáveis conflitos do Estado com parcelas ou mesmo com as classes dominantes como um todo, são testemunhas deste fato as inúmeras teorias e investigações acerca do Estado, do Direito, da política etc. que tentam explicar esse “enigma” de um Estado que nunca atinge a perfeição ou, as mais utópicas, que se propõem a criar este Estado perfeito.
O enorme conjunto de políticos e burocratas de todas as ordens (funcionários do judiciário, das forças armadas, da polícia etc.) é a personificação dessa independência relativa. Para esse gigantesco ajuntamento de indivíduos, “o negócio” é ser parte do Estado[6].
Se é correto que são as necessidades do capital como um todo que, ao longo do tempo, terminam se impondo na atuação do Estado, não menos verdadeiro que esses mesmos interesses podem ser atendidos por mediações diversas. É no espaço dessas mediações que se afirma o poder do estamento político-burocrático. Em uma dada circunstância, pode ser imprescindível ao capital que o Estado investida pesado na construção civil. Mas qual será a empreiteira que ficará com a parte do leão deste investimento é algo indiferente para o sistema do capital como um todo. Odebrecht ou OAS, um conjunto de médias empreiteiras em vez de um ou duas gigantescas ou mesmo um cartel reunindo todas as grandes empreiteiras essas alternativas são, em larga medida, capazes de realizar a movimentação de mercadorias e capital que eventualmente se necessite. É neste espaço de alternativas que o poder do estamento político-burocrático se manifesta, é aqui que as propinas e corrupções as mais variadas possuem um gigantesco poder de levar decisões do Congresso e dos diversos escalões da burocracia, principalmente quando se trata de alocação de recursos, no sentido que interessa a um grupo econômico ou a outro, a uma fração da burguesia ou a outra.
Nenhum exagero na afirmação de que este mecanismo já atuava desde os primeiros momentos em que o território brasileiro era administrado pela Coroa Portuguesa. A modernização econômica trazida pelo Ciclo do Café deu uma nova qualidade a esta relação, então elevada a uma política econômica nacional de repartição por toda população dos prejuízos oriundos da economia cafeicultura: a socialização das perdas, administrada ad hoc em um complexo sistema de propinas, corrupção, pressões e contrapressões que estão presentes no dia a dia da República Velha.
Contudo, será sob Getúlio que o papel do Estado de promotor do desenvolvimento industrial pela primeira vez se faz presente. Não sem gerar conflitos com as oligarquias e mesmo com a burguesia de então. Naqueles anos que tivemos a criação da Petrobrás, da Companhia Siderúrgica Nacional, da Eletrobrás etc. São políticas explicitamente voltadas a desenvolver o setor moderno da economia e, como subproduto ideológico, colaboraram para o desenvolvimento das ilusões acerca da existência de uma burguesia nacionalista e da possibilidade de um desenvolvimento que rompesse com a subordinação ao imperialismo. As teorias cepalinas, típicas daquele momento da nossa história, são expressões desta ilusão.
Não deixa de ser interessante notar como, a partir dos anos de 1930, iniciou-se a presença cada vez mais intensa da tecnocracia e dos tecnocratas nas decisões econômicas, principalmente ao redor das políticas desenvolvimentistas. No Estado Novo, os remanescentes do tenentismo jogaram este papel; sob a Ditadura Militar, desenvolveu-se uma autêntica tecnocracia que, de Shigeaki Ueki e Delfin Netto a Mário Henrique Simonsen, atuaram com consciência no espaço de alternativas deixado pelas necessidades do capital. A corrupção e as propina passaram a ter um caráter mais organizado, mais sistematizado, na medida em que a presença do Estado na economia se expandia e se generalizava. Foi famosa a taxa de 10% cobrada por Delfin Netto quando embaixador do Brasil em Paris, nos anos Geisel.
Diferente do que ocorre na concorrência mercantil, no Estado as relações pessoais, o conhecimento e os favores mútuos, as articulações dos indivíduos e grupos de interesse têm um peso muito grande no destino dos indivíduos. O conhecimento da máquina estatal é uma qualidade imprescindível a quem se dispõe a seguir carreira no seu interior, bem como para aqueles setores das classes dominantes que necessitam de maior apoio e suporte estatais. Na reprodução da máquina estatal, os laços de sangue possuem um peso maior do que na reprodução do capital e, não sem alguma ironia, por este motivo Marx denominou a burocracia burguesa como um estamento político-burocrático. Estamento, para salientar o peso maior dos laços de parentesco e relações pessoais na sua reprodução. E político-burocrático para realçar ser ele a totalidade do Estado, tanto sua expressão imediatamente política (governos, parlamentos, etc.) quanto sua burocracia (forças armadas, burocracia propriamente dita e Direito).
No caso brasileiro, com o desenvolvimento de um Estado marcado pesadamente pela nossa extração colonial, o aspecto estamental é ainda mais evidente. As oligarquias nordestinas, as famílias tradicionais das classes dominantes se fazem presentes nas Forças Armadas, no Direito[7] e nas instituições políticas por anos a fio, por vezes mesmo por décadas. Mesmo nos dias de hoje, o caráter familiar e oligárquico de instituições estatais e grupos de interesse no seu interior são uma evidência (os Sarney, os Maia, os Collor, os Campos etc.) nas lutas políticas.
Pensemos, por exemplo, na importância do Incra na administração dos conflitos agrários; do quanto, no auge do MST, tornou-se ferrenha a disputa pela indicação de seus dirigentes nacionais, estaduais e municipais. Ou, numa escala mais geral, consideremos o poder que advém do controle do Banco Central, do BNDES, da Caixa Econômica, do Banco do Brasil, da Petrobrás, da Cia. Siderúrgica Nacional (enquanto era estatal), Eletrobrás e das mais de seis centenas de empresas estatais.
Ao lado destes cargos, digamos, mais “técnicos”, temos os cargos diretamente políticos. Bolsonaro terá que diretamente nomear funcionários para algo ao redor de 25.000 cargos. Só o Planalto possui 3.500 funcionários, o ocupante da Casa Civil controla 190 cargos e assim por diante. Cada cargo serve de moeda de troca tanto com os políticos de Brasília quanto com os poderes estaduais e municipais. Os políticos, por sua vez, nomeiam não poucos assessores diretos e exercem um poder efetivo de indicação de apadrinhados na estrutura da burocracia nacional, estadual e municipal – o que lhes confere a potência necessária para negociar com o capital. Ao lado deste poder, os políticos ainda fazem as leis e aprovam o Orçamento da União, ou seja, em medida muito importante determinam como, onde e quando os investimentos estatais são realizados, onde, quando e como o Estado intervém para regular a concorrência entre diferentes setores do capital. O Judiciário, onde a corrupção é mais difícil pelo próprio dever do ofício, desenvolveu seus mecanismos próprios para o enriquecimento de seus membros: salários elevados com “penduricalhos” por vezes mais do que criativos e o recebimento de “favores” e “gentilezas” do capital privado – um jurista de renome recebe fortunas por um parecer ou assessoria, participa de palestras escandalosamente pagas etc.
Como integrante do estamento político-burocrático temos, ainda, as Forças Armadas. Enquanto partícipe do estamento político-burocrático, tem sido até o momento o primo pobre. Não tem muito a oferecer ao grande capital no período em que a luta de classes passa por esta calmaria em vivemos e, além disso, nenhuma ameaça externa requer o seu desenvolvimento. Com a chegada de Bolsonaro ao Planalto, esta situação não deve se inverter, contudo os militares devem ampliar sua participação no montante de riqueza abocanhado pelo estamento político-burocrático no seu conjunto. Os mais de quarenta bilhões direcionados à reforma das carreiras das Forças Armadas (reforma na qual os escalões superiores receberão até 73% de aumento enquanto que os inferiores ficarão com 12% - O Estado de São Paulo, 9 de outubro de 2019) são testemunhas deste fato.
Há que se levar ainda em consideração que este poder dos burocratas e políticos possui sólida e longa tradição na história do país. Entre outras coisas, não conhecemos nenhum fenômeno de “quebra” do Estado como ocorreu nas revoluções burguesas, com a destruição do Estado absolutista e sua substituição pelo Estado burguês. Sem os investimentos estatais a Industrialização pela Substituição das Importações entre os anos de 1930 e pelo menos 1955 teria sido ainda mais limitada; sem a presença do Estado, a “modernização” econômica pela entrada das multinacionais nos anos de 1960-70 não teria tido o alcance que conhecemos. Hoje, esta presença é ainda mais massiva: não apenas a renúncia fiscal e os subsídios injetam na economia coisa da ordem de 350 bilhões por ano, como ainda 46% dos investimentos na economia no último ano do governo Dilma vieram do Estado.
O número absoluto de pessoas alocadas no estamento político-burocratico que levantamos está desatualizado em alguns anos, mas já é suficiente se ter uma ideia: 2 milhões de funcionários federais, 3,2 milhões de funcionários estaduais e 6,5 milhões de funcionários municipais: um total de 11,7 milhões de trabalhadores – cerca de 12% da força de trabalho do país. Somados aos seus familiares e dependentes econômicos, no Brasil a cifra deve se aproximar dos 50 milhões de indivíduos que direta ou indiretamente vivem dos salários pagos pelo Estado. Nestes números não estão incluídos os empregados em empresas como a Caixa Econômica, o Banco do Brasil, a Petrobrás, a Eletrobrás, os Correios etc. Ainda que a quantidade absoluta impressione, é menos da metade da porcentagem da força de trabalho empregada pelo Estado nos países nórdicos e nos EUA e França. Ou seja, o Estado brasileiro emprega um percentual menor da força de trabalho do que nos países capitalistas mais avançados.
O poder de pressão social desse contingente populacional é bastante peculiar. Não possui aquela qualidade e aquele impacto que caracteriza o poder do grande capital industrial ou bancário; em sua potência e agilidade não se compara ao poder de uma Fiesp ou de uma Febrabam. Ainda assim, é uma força que se esparrama pela quase totalidade da sociedade, que penetra em todos os seus setores e “rincões” e, por isso, possui a agilidade e a inércia de um paquiderme: é uma força social lenta em suas reações mas possui uma extraordinária resiliência para se opor às transformações e às mudanças que atingem seus interesses. Por séculos criou e desenvolveu formas próprias para a ampliação da parcela da riqueza nacional da qual se apropria. É precisamente desta resiliência que os intelectuais orgânicos do grande capital reclamam ao se referirem ao “peso da burocracia” e ao “custo do Estado” no Brasil.

Crise estrutural e peso do Estado
Ao lado de tudo isso, deve-se levar em consideração que a crise estrutural do sistema do capital como um todo, ao deslocar capitais do setor produtivo (indústria e agricultura, fundamentalmente) para o circuito financeiro (pois, com a crise, não é mais possível reinvestir na produção o capital nela produzido), tornou o Estado uma peça ainda mais importante da reprodução do capital no seu todo. Pois os bancos apenas aceitam tais investimentos na certeza de que, na outra ponta, os Estados nacionais deles emprestarão pagando juros “compensadores”. É por isto que as políticas públicas de aquecimento da economia (os vários “PAC”s do período petista são típicos) e os subsídios de todos os tipos não param de ampliar a dívida estatal, cumprindo assim um duplo papel. Por um lado, “financiam” com recursos públicos a economia em crise, por outro lado tais políticas forçam os Estados a tomarem crescentes empréstimos dos bancos para financiar o “financiamento” que promovem da economia. Nesse circuito, o Estado serve ao capital duas vezes: 1) ao “investir” na economia e, com isso, 2) ao gerar uma crescente dívida pública que legitima os juros crescentes que paga aos bancos. Não é nenhuma surpresa, portanto, que o lucro dos bancos cresça não apesar, mas por causa da crise.
Se o Estado brasileiro, entre subsídios e renúncias fiscais, entrega às classes dominantes cerca de 350 bilhões por ano, o estamento político-burocrático -- apenas pela corrupção (ou seja, deixando de lado os salários e “penduricalhos”) -- abocanha cerca de 290 bilhões por ano, cerca de 660 milhões de reais por dia[8]. As classes dominantes poderiam aumentar substancialmente o montante que o Estado lhes destina com subsídios e “estímulos à produção” se conseguissem reduzir também substancialmente a corrupção – redução esta que pode ser complementada por uma reforma do Estado que diminua o gasto com o funcionalismo público. Este o sonho de consumo do conjunto do capital.

A redemocratização alterou apenas em parte os personagens desta história. Muitos, como os Barbalhos, os Sarney, os Calheiros, os Collors, os Neves etc. se mantiveram com poucos deslocamentos na estrutura do poder. Surgiram novas forças e novos personagens, novos partidos foram sendo estruturados e a disputa passou a ter uma dimensão eleitoral cada vez mais importante. O estamento político-burocrático se modernizou e se adaptou aos novos tempos neoliberais (os mais velhos ainda se lembrarão das medidas de modernização do Estado de Bresser Pereira) e ao aumento do seu poder econômico. Pensemos no peso dos diversos planos de estabilização econômica sob a hiperinflação, de cujo detalhamento dependia quais os setores das classes dominantes seriam favorecidos ou prejudicados, etc. As informações privilegiadas (Palocci acabou de denunciar que a comunicação ao banco BCG da futura política de juros no país possibilitou uma lucratividade de mais de 400% aos seus correntistas, etc.), a influência política no Congresso ou pela alocação de representantes em postos chaves da burocracia etc. jogavam papel importante na concorrência entre os grupos econômicos e grandes empresas. As privatizações nos governos FHC e Lula-Dilma transferiram ao capital privado gigantescas somas de riqueza e, uma vez mais, as decisões do estamento político-burocrático jogaram esta riqueza no colo deste ou daquele grupo econômico ou setor de classe.
Vivemos hoje uma nova rodada de modernização, racionalização e estruturação do estamento político-burocrático. No apogeu do petismo, com a entrada maciça de capitais estrangeiros, desde o Parlamento até as grandes empresas estatais, desde os diversos setores da burguesia e das oligarquias até os sindicatos, um gigantesco sistema de distribuição de propinas e corrupção foi estruturado em escala nacional. Se uma medida provisória podia fazer com que a Brasken tivesse um lucro de muitos milhões, nada mais apropriado que os deputados e o governo que recebessem uma parcela dos ganhos. Se uma refinaria é comprada nos EUA, nada mais natural que os envolvidos no negócio recebessem sua corretagem. Se o pagamento a um empreiteiro que construiu casas no programa Minha Casa, Minha Vida vai ser liberado em uma agência da Caixa Econômica em Catolé do Rocha, na Paraíba, nada mais adequado que o gerente e os funcionários da agência recebam o seu. Todo o sistema funcionava azeitado por uma ampla circulação de propinas e corrupções de todas as ordens e modalidades. Até se chegar ao ponto de que a corrupção não era mais uma economicamente desprezível, ainda mais com o agravamento da crise estrutural a partir de 2008. Sendo mais exato, a parcela da mais-valia apropriada pelo estamento político-burocrático passou a prejudicar a reprodução do capital. Esta parcela tinha que ser substancialmente reduzida. Tendo início com a Lava Jato, até os dias em que escrevemos este texto, a racionalização e a queda do custo do estamento político-burocrático está em andamento.

Temos agora delineados os quatro elementos decisivos que contribuíram para a chegada de Bolsonaro ao poder: o conflito de interesses entre a burguesia interna, a burguesia internacionalizada e o capital internacional, a paralisia da classe operária em boa medida favorecida pela cooptação de suas organizações e lideranças pelo Estado, o papel do estamento político-burocrático e o agravamento econômico trazido pela crise de 2008.
O nódulo decisivo da crise política que se iniciou a partir de 2008 pode ser assim resumido: o conjunto do capital no país, para financiar seus custos com o agravamento da crise, precisa reduzir o montante de mais-valia apropriada pelo estamento político-burocrático. Este é montante e o tamanho desta disputa: cerca de 200 a 290 bilhões de reais por ano. Internacionalmente, a mesma necessidade de reduzir a parcela de riqueza apropriada pelo estamento político-burocrático se manifesta por toda parte: os Panama papers, a revelação dos escândalos da FIFA, a prisão de Sarkosi etc. não nos deixam mentir.
O estamento político-burocrático, por outro lado, precisa manter essa apropriação para reproduzir o seu poder. O conflito estava aberto. Foi ele o momento predominante na derrubada da Dilma e da desmontagem do poder o PT, foi o principal móvel da Lava-Jato, dos conflitos que ocorrem no Congresso Nacional, etc., como já argumentamos em diversas ocasiões. O que nos interessa, agora, é como este conflito está sendo redimensionado com o acordo político que vem sendo costurado nestes primeiros meses do governo Bolsonaro.

(aqui)
De Lula a Bolsonaro
Desde a segunda metade dos anos de 1980, mas mais agressivamente depois da derrota de 1989 para Collor, o grupo dominante no PT, sempre liderado por Lula, adotou uma dupla estratégia: eliminar sucessivamente, em diferentes ondas, sua ala mais à esquerda e, concomitantemente, abrir negociações com a burguesia . A cada congresso do PT era dado um passo à direita, a ala esquerda era neutralizada ou expurgada. Paralelamente, ampliava-se o diálogo com os donos do capital.
Foi assim que o PT chegou à Carta aos Brasileiros de 2001 e ao primeiro governo Lula. Sua marca de classe foi imediata: reforma da Previdência dos funcionários públicos (coisa de 60 bilhões de reais para os banqueiros, nas cifras de então), a cooptação ao Estado do que restava do movimento popular e do movimento sindical, a continuação das privatizações; o aprofundamento do neoliberalismo, enfim. Os trabalhadores, operários e o movimento popular foram reduzidos a currais eleitorais do petismo e legitimavam as políticas econômicas implementadas segundo o gosto e as necessidades do capital (agrobusiness incluso). Lembremos o apoio da CUT e do MST à reforma da previdência do funcionalismo público nos primeiros meses do petismo. De 2002 até passado 2008, a aliança preferencial com a burguesia interna não inviabilizava o atendimento do fundamental das demandas do capital internacionalizado e do capital mundial; pelo contrário, as condições econômicas de então possibilizavam este atendimento. O PT oferecia ainda, algo não desprezável, um céu de brigadeiro à continuidade do neoliberalismo que o PSDB já não mais era capaz de ofertar.
O amordaçamento e domesticação da esquerda, do movimento dos operários e trabalhadores foi a condição necessária para implementar as políticas econômicas petistas: injeção, via Estado, de recursos na economia, quer sob a forma de financiamentos a projetos de infraestrutura (Minha casa, minha vida, PACs etc.), quer como financiamentos de grandes eventos (Olimpíadas etc.), ou ainda como financiamento ao complexo industrial-militar (submarino nuclear, Embraer etc.), ou sob a forma de subsídios à indústria e a agricultura. O resultado é que, ao final do governo Dilma, 46% dos investimentos na economia vinham do Estado. Um keynesianismo anacrônico e sui generis: a estratégia era criar multinacionais brasileiras com financiamento estatal! BSF e Odebrecht são testemunhos típicos desta insensatez!
Faz parte destas políticas econômicas petistas, com grave impacto no emprego e na distribuição de renda, a adoção de tecnologias e estratégias de gerenciamento da força de trabalho que ampliam a mais-valia e reduzem os postos de trabalho. O controle dos trabalhadores e operários pelos sindicatos é decisivo para que tal implementação se faça ao menor custo possível e esse papel o PT e o sindicalismo cumpriu com galhardia!
Todo esse serviço ao capital teve, contudo, o seu preço. O aumento do peso econômico do Estado conduziu ao aumento do poder econômico e, portanto, político, dos burocratas. Quer no Legislativo e Executivo (de Brasília ao município mais modesto), quer nas empresas estatais (Correios, Petrobrás, Eletrobrás, BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica etc.), quer na alta burocracia de carreira (desde o Itamaraty, as universidades, até os altos escalões da esfera federal e estadual), os burocratas passaram a controlar investimentos estatais sempre crescentes e a interferir cada vez mais decisivamente em qual empresa ou grupo econômico receberia essas benesses estatais.
A origem do modo petista de corrupção (Roberto Jefferson) tem sua fonte mais imediata nesta suruba (palavras do Delúbio Soares) entre os recursos estatais e os interesses privados dos empresários e dos burocratas promovida como parte da estratégia de financiar com recursos públicos a formação de multinacionais brasileiras. Ao final do governo petista, até mesmo medidas provisórias que garantiam ganhos aos empresários eram cotidianamente vendidas em troca de propinas e recursos não contabilizados (Delúbio, novamente). Consolidou-se, assim, com uma densidade inédita em nossa história, um agrupamento burocrático e político com interesses bem precisos: recolher propinas pela alocação de recursos públicos e, com esses recursos, promover o aumento de sua influência e do seu poder no Estado e na sociedade. O estamento político-burocrático, uma característica de todo Estado burguês, adquiriu uma inédita densidade e coesão sob a coordenação dos governos petistas, como já mencionamos.
Com o crescimento da China e a manutenção de elevados preços das commodities, esta estratégia petista contava com recursos suficientes; contudo, com a descoberta do pré-sal, os delírios petistas passaram a outro patamar: Lula ficaria no poder mais tempo do que Getúlio Vargas!!
Bastou a crise de 2008 para pôr ordem nas coisas.
Sem os recursos externos, os petistas tiveram que alterar sua estratégia política e econômica. Em vez de uma inversão de 180 graus em sua estratégia política, cometeram o grande equívoco de avaliar a crise como superficial e passageira. Decidiram manter a aliança preferencial com a burguesia interna ainda que ao preço de confrontar o restante da burguesia e, ainda, o capital internacional. Verdade que promoveram pequenos ajustes, entre os quais estreitar a aliança com o estamento político-burocrático se aproximando de Cunha (para manter o Congresso sob controle) e entregando a vice-presidência ao Temer. O PMDB, finalmente, subiu a rampa do Planalto!
Deu no que deu: o capital internacionalizado e internacional estimulou e deu forças à Lava-Jato, veio o impeachment. A bagaceira da bandalheira (palavras de Palocci) envolvendo os políticos e os empresários se tornou pública e várias figuras chaves do mecanismo foram presas, desde empresários e políticos, até burocratas, doleiros e operadores. Moro se tornou personagem mundial, capa do N. Y. Times. Naquele momento, o estamento político-burocrático e a burguesia interna estavam perdendo feio para o grande capital na quebra de braço pela partilha da riqueza produzida no país.
Como nenhum candidato sequer aparentava qualquer oposição com os esquemas de poder que dominaram este país, nas asas do desespero generalizado com o desemprego e a crise econômica, elegeu-se Bolsonaro! Uma difusa sublevação contra o status quo jogou os milhões de votos no colo da direita. A revolta, que deveria ser o solo preferencial da esquerda, converteu-se em base eleitoral dos bolsonaristas! Há, ainda, mais uma ironia nesta história: até bem próximo do primeiro turno das eleições de 2018, avaliando que o mais fácil a ser batido no segundo turno seria Bolsonaro, o PT centrou seu fogo em Alckmin! Carlos Bolsonaro, o estrategista do PSL, bateu todos os estrategistas do PT!
Este o primeiro aspecto importante para entendermos a crise em que estamos metidos: o fracasso econômico do PT e de sua estratégia de elevar o país ao Primeiro Mundo pela promoção das multinacionais brasileiras com financiamento estatal.

O segundo aspecto importante, agora mais diretamente ideológico, é a profunda desilusão da população em geral com a esquerda.
Como todo fenômeno ideológico de alguma importância, este também tem seu solo fundante na situação social real, neste caso, na desesperadora situação em que se encontra a sociedade: da Igreja católica aos times de futebol, das escolas de samba ao sistema financeiro, não há setor da sociedade que não se encontre em uma profunda crise (exceto, talvez, as milícias, as drogas e o comércio ilegal de armas).
Lembram-se das promessas petistas? Distribuição de renda? Todos os dados confirmam que sob o petismo tivemos uma ainda maior concentração da renda: 6 indivíduos possuem a riqueza equivalente a de 150 milhões de pessoas! Defesa dos direitos dos trabalhadores? Reforma da previdência, integração dos sindicatos ao Estado em um grau inédito, cooptação do movimento popular e de suas principais lideranças (de Stedile a Boulos) e apoio ativo aos empresários na adoção de novas tecnologias que ampliam a exploração e o desemprego: que defesa dos trabalhadores pode ser essa? Combate ao machismo e ao conservadorismo? Antes dos anos petistas, ainda se podiam fazer abortos, hoje está praticamente impossível! Combate ao conservadorismo?
Quando os fundamentalistas mais ampliaram sua influência sobre a educação pública do que sob os petistas? Qual governo não moveu sequer uma palha para impedir o crescimento da Escola sem partido e a obrigatoriedade de incluir o criacionismo no currículo escolar, como é hoje lei no Rio de Janeiro?Quem fez frente com Edir Macedo, quem paquerou com os evangélicos, quem nada vez para combater o crescimento da direita fundamentalista no congresso, antes se aliou seguidamente a seus próceres? Sob qual governo as concessões do Estado para TVs evangélicas se expandiram, sob qual governo a Record se tornou o que é hoje? Quem levou o MDB ao poder? Sob quais governos as igrejas evangélicas mais reacionárias receberam subvenções e privilégios como o não pagamento de impostos? Não foram os bolsonaristas de agora! Quando a direita mais cresceu? Quando, antes, os evangélicos tiveram a banca no Congresso que conquistaram sob o PT?
Reforma agrária? Com verbas e mais verbas sendo generosamente destinadas aos latifundiários? Defesa do SUS? Quando foi que os planos de saúde mais cresceram? Defesa da educação pública? Quando os grandes grupos capitalistas internacionais entraram para valer no nosso sistema educacional? Quando as universidades privadas receberam mais recursos públicos que as públicas? Quando a prática petista foi além da negação do seu discurso?
Independência do país do grande capital internacional? Seria para rir, se não fosse uma tragédia para milhões de brasileiros! Não foi Lula quem trouxe Meirelles, então funcionário do Banco de Boston, para dirigir o Banco Central? Quem era, mesmo, o cara, do Obama? Quando um presidente brasileiro foi tão bem recebido em Davos? Quando os bancos foram tão lucrativos? Quando as reservas brasileiras foram colocadas à disposição do FMI? Quando se aprofundou a integração da economia nacional ao sistema mundial do capital? Quando mandamos tropas ao exterior como auxiliares à imposição da Pax Americana sobre a humanidade?
A lista poderia continuar indefinidamente, mas não é possível encerrar sem mencionar ao menos isto: “ética na política? Só se por ética entendemos a promoção dos interesses do estamento político-burocrático e de uma parcela da burguesia interna também através do mecanismo de saqueio dos recursos públicos que, repetimos, alguns calculam como sendo da ordem de 600 milhões de reais por dia, 290 bilhões por ano?
Há ainda um outro aspecto importante a ser considerado: a complacência dos governos petistas para com o aparato repressivo do qual Bolsonaro é um representante nato.
Se há algo que diferencia Bolsonaro dos representantes do capital que ocuparam o Planalto até agora é sua truculência, seu radical conservadorismo na moral e nos costumes e sua aberta apologia à violência, à ditadura militar, às torturas e aos torturadores. Esta constatação deve ser seguida de uma questão: como foi possível que sobrevivesse como força tão expressiva esta vertente política?
Esta vertente sobreviveu também graças ao PT!
Lembremos o passado não tão distante.
A posse de Lula em 2002 causou uma gigantesca onda de esperança. Multidões na sua posse em Brasília! As coisas, agora, dariam certo para o país! Nesta onda de expectativas e esperanças, cresceu também o impulso a que, finalmente, os crimes contra a humanidade cometidos pela ditadura seriam apurados e punidos, como então já ocorria em vários países da América Latina. Depois de dois governos Lula, o governo Dilma criou, então, a Comissão Nacional da Verdade.
Como diz Marx na Glosas Críticas, sempre que o Estado não quer resolver uma questão, cria uma comissão! Ao invés da punição dos torturadores, a Comissão da Verdade distribuiu indenizações em dinheiro em troca de se abrir mão do direito de exigir a apuração e punição dos criminosos contra a humanidade da época da ditadura! Assim foi feito, assim foi realizado: assim foi preservado o aparato repressivo da ditadura!
Para garantir ainda mais os repressores, o ex-guerrilheiro do Araguaia, José Genoino, que logo depois seria preso no Mensalão e que, nas eleições de 2018, assessorou Haddad, traiu vergonhosamente a memória dos seus ex-camaradas da guerrilha ao manobrar para que a verdade não viesse à luz. Hoje, sabemos, possivelmente também para esconder sua vergonhosa traição.
Lembremos que nada disso custou ao PT o rompimento de seus atuais satélites!
O PSOL, o PC do B e mesmo o PCB apoiaram a Comissão da Verdade e a política de indenizações em troca do silêncio dos torturados e perseguidos. O PC do B não abandonou o apoio ao governo petista, antes abandonou em covas não identificadas os cadáveres de seus ex-camaradas! Atuais dirigentes do PCB coletaram a indenização e nem se envergonham deste feito! (Muito diferente de Anita Prestes que, com honra, teve que aceitar a indenização para poder se aposentar, mas doou a mesma para uma entidade filantrópica e denunciou publicamente a rendição promovida pelos petistas!)
O que pode significar democratização do Estado e defesa dos direitos humanos nos lábios petistas? Com Genoíno sendo destacado para impedir que os crimes da ditadura viessem a público e os responsáveis fossem punidos na forma da lei? Com a continuidade da vergonhosa política da Comissão da Verdade de comprar o silêncio das vítimas da ditadura com polpudas indenizações? Com o ativo apoio para a manutenção do aparelho repressivo da ditadura em nome da governabilidade? Dilma sequer processou Ulstra!
Petistas, psolistas, pecebistas, pecedobistas todos foram coniventes, quando não ativos promotores, da preservação dos setores mais radicais das hostes de Bolsonaro lembremos: em nome da governabilidade.
Estas forças políticas aprenderam com o passado? Que nada! Qual a atitude delas para com a apuração da morte de Marielle? Protestam onde o protesto não tem nenhum valor, no parlamento e na burocracia estatal; se calam onde o protesto poderia contar: junto aos trabalhadores e operários! Protestos eleitoreiros em um momento histórico em que as eleições nada podem alterar na essência das coisas e até Carlos Bolsonaro sabe disto! Há poucos dias afirmou que não se vai longe com a democracia na direção que ele almeja.
Ainda mais: foram dados sob os governos petistas importantes passos na modernização da Polícia Federal, dos sistemas de vigilância dos cidadãos, dos sistemas de investigação e processamento de dados e, ainda, avançou-se no aperfeiçoamento da legislação repressiva que, no governo Dilma, passou a possibilitar a prisão incomunicável praticamente sem nenhum controle jurídico.
Não foram nossas tropas enviadas para o Haiti para, entre outras coisas, treinarem como intervir em favelas como as do Rio de Janeiro? Não foram os governos petistas foram complacentes com a manutenção da tortura e foram ativos no aperfeiçoamento do aparelho repressivo? Não foi sob eles que as milícias mais se desenvolveram e ganharam o poder que têm hoje? Quando as empresas de segurança privadas se desenvolveram até ter hoje um contingente duas vezes maior que o da polícia? Quando foram aprovadas as leis mais duras contra a dissenção política, desde a redemocratização? Quando os convênios com a Interpol, a CIA e o FBI não apenas foram renovado, mas desenvolvidos? Quem reprimiu o movimento e a liderança de 2013? Quem colocou Sininho em uma vida clandestina? Se tudo isso não foi obra do petismo, não vivemos no mesmo planeta.
Quem reprimiu a greve do funcionalismo público contra a Reforma da Previdência no 1º governo Lula? Lembram-se da repressão ao movimento de 2013? Lembram-se da repressão a todos os pequenos movimentos de massa que tivemos sob o petismo? Lembram-se dos assassinatos das lideranças camponesas? Lembram-se da misteriosa morte de um dos terroristas presos nas vésperas das Olimpíadas? Tudo isso ocorreu sob o governo dos petistas e seus satélites.
Bolsonaro e sua turma têm hoje apenas a força que lhes têm dada a infindável sequência de acordos, acomodações e rendições dos petistas e seus satélites ao que de mais reacionário e truculento sobreviveu da ditadura.
E as coisas não mudaram nem um átomo nas eleições de 2018: para enfrentar Bolsonaro no 2º turno, ao invés de investir na denúncia dos crimes que cometeram contra a humanidade, de bater duro no seu conservadorismo e reacionarismo, Haddad e os petistas tentar se passar por bolsonaristas!! Beijam a mão de bispos, falam em entregar armas “às pessoas certas, abandonam a defesa do direito ao aborto e ao planejamento familiar, calam-se ante as propostas de militarização das escolas e se vestem de verde-amarelo!
O apoio ao PT de seus satélites no 2º turno de 2018 nada mais foi do que mais uma rendição à direita. E isto não é uma questão meramente de opção política: aqueles se propõem hoje a servir ao capital a partir dos altos postos de comando do Estado têm que se curvar à necessidade absoluta da reprodução do capital. Por isso é que há tantas linhas de continuidade entre os governos petistas e Bolsonaro. Por isso é que os petistas e seus satélites não podem ir além de defensores da mesma estratégia econômica dos bolsonaristas: não são antagonistas reais e de fato ao bolsonarismo. E, nestes dias em que escrevo, em setembro de 2019, têm papel ativo na desmontagem da Lava-Jato que interessa também à família imperial sob a desculpa da defesa do Estado do Direito!

Nenhuma das promessas petistas terminou valendo mais do que o discurso de qualquer político: justificar a sua luta pelo poder. O discurso pode variar, o poder pelo qual se luta é o mesmo!
O segundo aspecto importante na emergência do bolsonarismo é a profunda desilusão, sociedade afora, com isto que se apresentou como esquerda. A volta do cipó de aroeira da traição das esperanças que o país depositou nos petistas foi a sublevação eleitoral em que hoje surfa a direita inspirada em Olavo de Carvalho.

O terceiro aspecto decisivo para a chegada dos Bolsonaros ao poder é o cretinismo parlamentar (a expressão é de Marx, é bom lembrar) do que restou de nossa esquerda com alguma expressão eleitoral. Não é preciso se estender muito: de uma esquerda que, no passado, com equívocos maiores ou menores, era revolucionária, se converteu em uma esquerda eleitoreira que imagina que ganhar eleições é tomar o poder! No momento em que uma massa enorme de pessoas votam nulo porque não mais creem nos políticos e no Estado, esta esquerda lança uma frente eleitoral ao redor de Boulos que quase não sai do zero % dos votos!
Nunca o descrédito da população foi maior para com os políticos e burocratas, mas também, em grau menor, para com o próprio Estado. Nunca a esquerda contou com uma situação tão favorável para a propaganda revolucionária da necessidade de se superar o Estado por uma forma superior, comunista, de organização da sociedade. Lamentavelmente, mas não por acaso, a oportunidade foi perdida. O descrédito nos políticos e no Estado está entre as razões ideológicas mais importantes para a sublevação eleitoral de 2018.
Essa é uma esquerda que já morreu enquanto esquerda. Suas ilusões com a ordem e as instituições burguesas a convertem em um entrave à retomada da capacidade de luta dos trabalhadores e operários.
Estas são as causas mais importantes da vitória de Bolsonaro. Há outras, há mesmo causas locais e regionais; há causas que lançam raízes no conservadorismo de uma sociedade que foi escravista até um século atrás e que hoje é patriarcal e católica, mas as causas mais importantes são a desilusão generalizada com a dita esquerda depois de anos de petismo, a desagregação do tecido social pela crise social e econômica, a domesticação do movimento dos trabalhadores e operários pela burocracia oriunda da aristocracia operária e a incapacidade da nossa esquerda de ser, de fato, uma esquerda, isto é, uma potência revolucionária.
O que nos ameaça é gravíssimo: Bolsonaro representa uma intensa e difusa migração de todo descontentamento para uma alternativa à direita. De grandes e médios empresários, a desempregados, trabalhadores, operários e aristocratas operários, de setores importantes da classe média e do estamento político-burocrático, um vasto movimento social ganhou corpo nas últimas semanas antes das eleições de 2018 A ideologia cotidiana passa por uma guinada à direita, uma guinada que nem Bolsonaro nem seu partido teriam forças para promover. Eles são muito mais o resultado do processo histórico recente no país do que sujeitos ativos da sua vitória em 2018.
É provável que isto seja também a preparação de uma enorme crise. Não entraremos agora neste aspecto: mas esta situação contém vários dos elementos mais importantes para a eclosão de uma enorme crise. A desilusão com o petismo vai se repetir, agora como farsa, com a solução Bolsonaro. Mais cedo do que tarde, a desilusão vai calar fundo: um capitão reformado com ligações com o submundo do crime e das milícias, com a entourage que o cerca, é tudo menos uma adequada personificação do capital para gerir o país. Em que vai resultar esta situação é algo que o futuro não distante dirá.

Um governo instável

Os menos de 40% dos votos recebidos por Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2018 não foram, em sua totalidade, exatamente para ele, bem como os votos que produziram uma inédita renovação nos legislativos desde a redemocratização não foram, em sua totalidade, para os valores e propostas pueris, muitas vezes simplesmente inaplicáveis, do bolsonarismo seja lá o que isso for. Foram em grande parte votos antipetistas, anti-status-quo e anticorrupção. Ou seja, os bolsonarianos foram eleitos não pelo que de fato são, mas pelo que os eleitores não queriam mais em Brasília. Isto confere a eles um apelo popular muito menor do que imaginam -- ou que teriam no caso de um conflito político generalizado.
Para chegar ao poder, Bolsonaro foi costurando uma frente com quatro elementos que são, entre si, em boa medida incompatíveis. O primeiro deles são os militares, que ocupam hoje administrativa e politicamente lugar de destaque no governo, a iniciar pelo vice, ex-general Mourão. Os militares são parte do estamento político-burocrático, porém uma parte que, desde o fim da Ditadura Militar, conheceu o ostracismo. Foram colocados sob o controle de um civil e, na divisão do bolo da mais-valia que passa pelo Estado, foram sempre o primo pobre. Pela sua própria estrutura, os militares são muito sensíveis às pressões vindas de sua base social, base esta que é parte daquilo que compõe o baixo clero do estamento político-burocrático.
Entre os militares, na sua maioria reformados, que fazem parte do governo e os militares da ativa, com efetivo comando de tropas, não há uma identidade nem um alinhamento automático.
Tudo indica que, nestes primeiros meses, os militares no governo, Mourão acima de tudo, estão interessados em se apresentar como independentes, essencialmente distintos de Olavo de Carvalho, do clã Bolsonaro e dos bolsonaristas em geral e com algumas diferenças importantes com Guedes no que diz respeito à amplitude das privatizações e à reforma da Previdência dos militares. Mais recentemente, Mourão saiu de seu período de silêncio, depois de uma fase mais ativa junto à imprensa nos primeiros meses de 2019, para uma crítica frontal à afirmação de Carlos Bolsonaro de que através da democracia não atingiriam as mudanças que eles pretendem ao país.
Este o primeiro dos elementos que compõe o governo: os militares.
O segundo é o restante do estamento político-burocrático, formado pelo seu alto e pelo baixo clero.
Por terem suas bases eleitorais nas camadas mais pobres e nas regiões e municípios menos desenvolvidos do país, os membros do baixo clero do estamento político-burocrático possuem interesses e perspectivas que nem sempre acompanham aqueles do alto clero. Este, por sua vez, é formado pelos caciques de Brasília, pelos chefes das oligarquias estaduais etc. e pelos altos funcionários das empresas estatais (Banco do Brasil, Caixa Econômica, Petrobrás etc.). No passado recente, estes caciques (lembremos de Jucá, Moreira Franco, Temer, Cunha, Sarney, ACMNeto, Jader Barbalho, Samir Amim etc.) tinham sob controle os do baixo clero porque contavam com recursos no Orçamento Nacional e também vindos das propinas e corrupções para financiar as eleições do baixo clero através de "agrados" às suas bases eleitorais.
Um dos efeitos importantes da Lava-Jato, combinados com a crise econômica, foi diminuir esses recursos. Com a inesperada renovação dos legislativos, essa falta de recursos colabora para dificultar o controle do baixo pelo alto clero. Lembremos que Bolsonaro e filhos sempre foram parte do baixo clero. Excluídos dos esquemas de corrupção e propinas do alto clero, os Bolsonaro sempre se moveram com mais facilidade nas sombras e porões da pequena corrupção e das milícias. Votaram contra as reformas da Previdência no passado e, na atual, incentivaram resistências a algumas das propostas de Guedes.
Em poucas semanas esse quadro foi revertido. Diferente do início do governo, quando havia uma distância real entre o baixo e o alto clero, hoje esta distância parece superada. Na votação da Reforma da Previdência e, ainda, nas discussões acerca da Reforma Tributária, esta separação não parece ter um papel decisivo. O alto clero parece ter enquadrado o baixo clero. A atuação do DEM, com Maia à frente, parece ter tido nesse enquadramento um peso decisivo. Com isso chegamos, em setembro de 2019, a um Congresso pacificado e sob o controle do Centrão, isto é, articulado ao redor dos interesses históricos do estamento político-burocrático.
Esta unificação possibilitou o crescimento do peso político do Congresso às custas de Bolsonaro. Um regime presidencial como o nosso vive uma situação anômala de ter um Congresso pautando a agenda política e econômica mais do que a Presidência. De fato, ao menos por enquanto, o Centrão e por tabela o Congresso se cacifaram como os principais porta-vozes dos interesses do conjunto do capital. Temos, com isso, um elemento novo no cenário: dado o controle do Congresso pelos caciques do estamento político-burocrático faz deles o principal instrumento para a aprovação das medidas que interessam ao conjunto do capital, a este já não mais interessa como interessava no passado recente desmantelar o esquema articulado por Maia, pelo DEM e pelo Centrão. Por sua vez, o interesse do grande capital em preservar os caciques do estamento político-burocrático conduz à necessidade de interromper e desmontar a Lava-Jato. Sobre isto, voltaremos logo abaixo. Se aproveitando desta sua nova posição de força, o estamento político-burocrático aprovou, no final do mês de setembro, uma série de alterações na legislação eleitoral que, se não retorna à situação anterior à Lava-Jato, abre as portas para modalidades mais brandas de caixa dois e corrupção eleitoral. Com isto não apenas o alto, mas também o baixo clero vão recuperando uma parte do que haviam perdido na repartição com os donos do poder da riqueza nacional.
O terceiro elemento do governo Bolsonaro são as forças econômicas representadas por Guedes. Essas forças não são tão amplas quanto possam parecer a primeira vista. Guedes nem é um intelectual orgânico do capital financeiro nem seu representante político. É um aventureiro e empreendedor que ganhou alguns milhões com especulações no mercado e que espera, com seu programa econômico, amealhar mais outros tantos. O modo como ele dispôs seus investimentos às vésperas de se tornar ministro mostra com que medidas econômicas ele espera se enriquecer ainda mais. A sua proposta de um liberalismo econômico a todo vapor, que praticamente reduz o Estado ao aparato repressivo e aos mecanismos mais básicos do controle da moeda e das finanças explicitamente inspirado na Escola de Chicago mas mais provavelmente resultante de seu senso de oportunidade para bons negócios nesses anos de bolsonarismo coincide com alguns dos projetos e algumas das necessidades mais imediatas do conjunto do capital. Acima de tudo, a transferência para o capital privado de parte dos bilhões hoje nas mãos do estamento político-burocrático pela diminuição da presença do Estado na economia, com o barateamento dos custos sociais através da reforma da Previdência e da desoneração da folha de pagamento, a desoneração do orçamento, a privatização do que ainda for privatizável, a reforma tributária estas e outras medidas, claro está, vão de encontro ao conjunto do capital. Daqui reside a sua força e sua autoridade no interior do governo.
Contudo, contra ele pesa o fato de não ser, de fato, um representante do conjunto do capital, nem mesmo do seu setor financeiro; pesa o fato de seu projeto liberal entrar em choque com as concepções estratégicas dos militares no governo e da família Bolsonaro, os quais enxergam na privatização total e completa de Guedes a renúncia à soberania nacional, pesa o fato de que muitas de suas iniciativas atingem interesses do baixo clero e dos militares.
O quarto elemento do governo Bolsonaro é aquilo que Fernando Henrique Cardoso denominou de família imperial. Isto é, a influência no governo dos filhos de Bolsonaro. Esta influência tem sua importância porque representa, se podemos dizer assim, o aspecto ideológico duro do bolsonarismo. Em clara e explícita aliança com o astrólogo da Virgínia, Olavo de Carvalho, a família expressa a revolução da moral e dos costumes que os bolsonaristas enxergam como a panaceia universal para todos os nossos males. O clã Bolsonaro está maravilhado com o milagre da virada que deu a ele a vitória nas últimas eleições e tende, por isso, a superestimar tanto o apoio que possui da população quanto sua capacidade de mobilizar a sociedade pelas redes sociais.
A primeira investida da "família imperial" foi contra os militares, ainda no período de transição de governo, transbordou com as disputas no interior do Itamaraty e do Ministério da Educação. No caso do Itamaraty, o ministro Ernesto Araújo terminou sob o controle de uma comissão formada também por militares para evitar que faça declarações ou tome medidas que tenham impacto estratégico-bélico (ou seja, todas as questões minimamente importantes). Em questões como a mudança da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, as relações com a Venezuela etc. o ministro pouco apita. No caso do Ministério da Educação, a indicação do novo ministro (Abrahan Weitraub) mantém o ministério sob os olavetes mas não supera o conflito no seu interior com as outras alas do governo e do Congresso. O que é claro é que os partidários do Olavo de Carvalho e a família imperial estão descontentes, para dizer o mínimo, com a postura dos militares naquela pasta. Foi neste contexto que Olavo de Carvalho chamou Mourão de Idiota e declarou que havia telefonado ao Ministro da Educação, Velles, para manda-lo tomar no cú”. Bolsonaro, ainda assim, jantou em Washington com Olavo de Carvalho sem tomar a defesa de seu vice ou de seu ministro mesmo poucas horas depois de o astrólogo da Virgínia ter declaro que mais seis meses nesse andar o Governo Bolsonaro estará terminado.
O estamento político-burocrático e o capital no seu conjunto em poucas semanas aplicaram a pressão necessária para, ao menos em parte importante, domesticar a família imperial. Os laranjas do PSL, depois o caso Queirós e, ainda, as investigações acerca do enriquecimento de Bolsonaro e acerca das milícias do Rio (caso Marielle, os prédios que desabaram em território dominado pelas milícias etc.) se aproximaram perigosamente da família imperial. A pressão fez efeito e o clã Bolsonaro passou a negar na prática seu discurso anticorrupção. A família imperial se opôs à abertura da CPI sobre o Supremo (a Lava-Toga), o governo devolveu o Conaf ao Ministério da Economia com um novo nome, o pacote anticorrupção de Moro vai sendo depenado com o apoio da Presidência e em mais alguns dias o Supremo vai decidir o alcance de sua decisão de revogar as condenações da Lava-Jato e a prisão em segunda instância sem que Bolsonaro faça qualquer campanha contra tais decisões do Supremo.
Esse, tanto quanto conseguimos enxergar, é o traço decisivo nestes nove meses de governo Bolsonaro: o capital internacional e o capital internacionalizado no Brasil tiveram que conceber ao estamento político-burocrático para que as reformas que lhes interessassem fossem aprovadas em curto prazo. Maia se converteu no grande paladino das reformas e, em troca, o estamento político-burocrático sustou a sangria (Jucá) da Lava-Jato, aprovou uma nova lei eleitoral que favorece o caixa 2 e ainda consolidou uma nova liderança ao redor do DEM e do Maia (definitivamente substituindo a anterior do PMDB, de Temer-Cunha). Teremos, nos próximos passos, o avanço nas privatizações, a reforma tributária e a reforma do funcionalismo público. Com essa aproximação entre o capital e o estamento político-burocrático, o poder real da família imperial fica reduzido a pontos secundários e desimportantes, como a pauta dos costumes, o combate às ideologias e as medidas de perfumaria (suspender os radares nas estradas federais e coisas do gênero). O que, por um lado, se pode garantir que este governo chegue ao fim sem passar por um impeachment, por outro lado possui a conditio sino qua non de o clã Bolsonaro colaborar para tanto, não fazendo loucuras além da conta! O que não está, claro, garantido de antemão.

Reprisando: o Congresso, de representante dos interesses do estamento político-burocrático em conflito com o grande capital, se converteu no grande aliado desde mesmo grande capital que já não pode contar com a Presidência ocupada por Bolsonaro. A posição que, no passado, era representada principalmente pelo jornal o Estado de São Paulo, quando do auge da Lava-Jato, de que seria indispensável um acordo com os políticos de Brasília, terminou sendo a posição predominante depois que Bolsonaro venceu as eleições. Na nova situação, sem o apoio ativo do Congresso, nem a Reforma da Previdência, nem as privatizações nem as outras reformas que interessam ao capital no seu conjunto seriam viáveis. De adversários renhidos, converteram-se em aliados e, assim, Maia passou a ser o grande interlocutor, e o mais confiável, do grande capital na condução do estamento político-burocrático. Moro, o paladino da Lava-Jato, foi escanteado e Maia surge como estrela em ascensão. O Supremo, que no passado sustentou a Lava-Jato, agora a enterra.
Se, na fase da decadência petista, o confronto se dava entre o grande capital internacionalizado e o estamento político-burocrático ao redor do montante da riqueza que caberia ao último, agora este conflito fica em segundo plano. O estamento político-burocrático concorda em receber menos, mas, ainda assim, o suficiente para se reproduzir, e o grande capital segura a Lava-Jato para preservar Maia e os atuais caciques do estamento político-burocrático. Os juízes do Supremo --, dos quais as investigações de aproximam perigosamente e já revelavam que o irmão de Toffoli teria seu apartamento reformado pela OAS estão desmontando a Lava-Jato.
Uma pequena pressão sobre a família imperial completou a articulação para o acordo. O caso Queiróz e as investigações sobre as milícias cariocas que se aproximavam dos Bolsonaros bastaram para que o Presidente deixasse de ser o paladino na luta contra a corrupção e se convertesse em um aliado no esforço para desmontar a Lava-Jato: a Conaf voltou ao Ministério da Economia, Moro é escanteado e Aras é nomeado para a PGR ao invés de Dellagnol, como queriam os bolsonaristas de raiz. Pela primeira vez a base de Bolsonaro começa a fazer água e as críticas à sua aliança com os corruptos começam a se multiplicar.
Faltava um último elemento para consolidar o acordo. E este foi fornecido pelo PT e seus aliados: a Vaza-Jato.

A Vaza-Jato
Foi no contexto em que este acordo estava sendo costurado que veio à luz, graças ao site Intercept, as reveladoras mensagens entre Moro e os integrantes da Lava-Jato. A rigor, nada demais nas conversas além do que já sabemos: a Justiça é, mesmo, uma farsa. Contra os baderneiros de 2013, não foi esta mesma Justiça que, funcionando exatamente da mesma forma, condenou injustamente várias das lideranças? Não foi sempre assim contra o antigo MST, quando ainda era de oposição? Não foi sempre assim no passado? Por que seria diferente no presente? Por que, agora, este escândalo?
Por duas razões: a primeira, esta é a contribuição do PT e seus satélites ao acordo em andamento acima mencionado. Desmoralizar a Lava-Jato agora lhes interessa como a última alternativa para recuperarem alguma importância eleitoral através da soltura de Lula (algo hoje mais possível que alguns meses atrás). A segunda: porque este é mais um serviço que o PT e seus satélites prestam ao grande capital e, assim, tentam novamente se cacifar como, ao menos, um interlocutor confiável para os donos do poder. Contra a Lava-Jato, uma enorme frente, de Bolsonaro ao Intercept, passando pelo PSOL, pelo PT, pelo DEM, pelo Centrão, pelo Supremo e pelos jornais burgueses! Moro ficou morto em um deserto do qual sequer conhece a saída, se é que há saída para ele.
A questão, ainda em aberto, é o que vai acontecer com os já presos pela Lava-Jato. Se Lula for solto, o que acontece com Cunha, Garotinho, Cabral, os doleiros e operadores do mecanismo, etc.? Difícil saber, por enquanto. Por um lado, aos atuais líderes do estamento político-burocrático pode não interessar que essas figuras todas retornem à vida pública para disputar com eles um lugar ao sol. Por outro lado, pode ser que não seja possível mantê-los presos sem continuar as investigações já em andamento pelas engrenagens jurídicas desencadeadas pela Lava-Jato. Os limites do acordo para extinguir a Lava-Jato ainda não são públicos, mas sua existência é difícil de ser negada.

O que assistimos, portanto, nos primeiros nove meses do governo Bolsonaro foi um realinhamento de forças provocado pelos novos ocupantes do Planalto.
O alto clero do estamento político-burocrático converteu uma situação que parecia desesperadora em novembro-dezembro de 2018 em uma enorme vitória já nos primeiras semanas de 2019. Não deixa de ser impressionante sua capacidade de virar o jogo. saiu em vantagem já nas primeiras semanas do novo governo.
Já em janeiro de 2019, um pouco menos de dois meses (contando com o mês e meio da transição ao novo governo) o DEM se converteu na peça chave no Congresso com a reeleição de Maia para a presidência da Câmara e de Alcolumbre para presidir o Senado. Além disso colocou três ministros no Planalto, entre eles o que seria o articulador político, Onyx Lorenzoni, na Casa Civil. Ainda, Onyx venceu uma disputa com Guedes. Este preferia Renan Calheiros, partícipe da antiga entourage do PT, para presidir o Senado tendo em vista a reforma da Previdência.
O DEM entrou em campo e se cacifou junto ao grande capital como a principal força que garantiria a aprovação da reforma da Previdência. Essa aproximação do alto clero com o grande capital, abriu a possibilidade de um acordo com Supremo Tribunal Federal para sustar a Lava-Jato, que já teria ido longo demais isto é, se aproximava da corrupção no Supremo Tribunal Federal.
Há cinco anos, o Supremo deu início à Lava-Jato ao, em uma decisão inédita, deixar os processos envolvendo a corrupção de políticos em Curitiba em vez de, como era tradição, serem transferidos para Brasília, cidade na qual o aparato judicial estava sob controle dos caciques do Congresso. Agora, inverteu-se a história. Primeiro, o Supremo reverteu tirou os processos de Curitiba: já que a maior parte das acusações envolvem crimes eleitorais, decidiu que caberá à Justiça Eleitoral julgá-los. A Lava-Jato conhecia sua primeira grande derrota. Depois, o Supremo decidiu abrir as portas para a anulação de várias (quais e quantas ainda veremos) das sentenças condenatórias que fizeram a fama de Moro e promete revisar a condenação em segunda instância. A Vaza-Jato promovida pelos aliados dos petistas deu a contribuição que faltava para desmoralizar os de Curitiba e Gilmar Mendes pede que a PF autentique os diálogos vazados para abrir processos contra Moro, Dalagnol etc.
Não está claro, contudo, qual seria a abrangência deste acordo. Tudo indica que, com o beneplácito do grande capital (tanto a Folha de São Paulo. O Globo quanto o Estadão estão a clamar em altos brados por um limite na Lava-Jato e acusam os procuradores de terem extrapolado os limites aceitáveis), uma figura como Temer não teria salvação, mas um Renan Calheiros talvez possa vir a se salvar. Maia, pai e filho, contudo, estariam a salvo. Muito mais seguras parecem estar as liberdades de Jucá, de Sarney e de Collor. Daqui para frente não deveria haver nenhuma nova investigação e nenhuma nova grande operação contra os políticos e os burocratas das altas camadas. Moro ficou, no Ministério, em uma sinuca de bico. Não pode intervir para favorecer a Lava-Jato a não ser oferecendo leis para serem aprovadas pelo Congresso nas mãos do mesmo DEM que agora teria o apoio do Supremo e do grande capital para "conter a sangria", numa expressão tornada célebre por Jucá.
Esse realinhamento das forças políticas nacionais, contudo, está longe de haver se consolidado. Há várias incógnitas no curto prazo. A primeira delas é o que irá acontecer com a base bolsonarista ao este novo posicionamento da família imperial se tornar pública. Figuras de proa já estão fazendo críticas abertas, desde Janaína Pascoal até os conservadores de estirpe que apoiaram o clã Bolsonaro. Além disso, as pautas conservadoras avançam muito lentamente para o gosto da bancada evangélica e críticas já são escutadas com alguma frequência. A sequência de crises artificias e desnecessárias promovidas pela administração bolsonarista também não são de menor importância para o desgaste do governo. Desde a intervenção não concretizada na Venezuela, passando pelo episódio da transferência da Embaixada brasileira para Jerusalém, até os diversos choques com os exportadores, com todo o sistema educacional os desgastes se fazem por todos os lados.
Nestes dias em que escrevo, setembro-outubro de 2019, já se notam também os primeiros movimentos de fritura de Guedes e sua equipe econômica, tanto nos episódios envolvendo a reforma tributária, quanto também e principalmente na permanência de uma recuperação econômica que apenas por tecnicalidades não é denominada de recessão.
Após a Reforma Trabalhista de Temer e a Reforma da Previdência deste ano, as promessas de uma retomada econômica não apenas não se realizam, como ainda a economia se estabiliza em um patamar muito próximo à recessão. E esta é a previsão para os muitos próximos meses. Vozes já se fazem ouvir reclamando uma retomada dos investimentos estatais, mesmo ao preço de aumentar a já gigantesca dívida pública, ao redor de 80% do PIB.
A violência e a miséria persistem e aceleram a perda das esperanças despertadas por Bolsonaro. O resultado é uma tendência de queda de sua popularidade, a qual já se aproxima perigosamente daquele limite a partir do qual, já nas próximas eleições, estar próximo de Bolsonaro passa a ser uma desvantagem. Tanto Dória, em São Paulo, quando Wicksel no Rio, já iniciaram o afastamento do governo federal. Resta acompanhar como tudo isso irá evoluir nos próximos meses, configurando já o cenário das eleições do ano que vem.

Que tática seguir?

Se nossa análise não estiver equivocada em sua essência, algumas conclusões podem ser indicados para uma tática dos revolucionários nos próximos anos.
Em primeiro lugar e acima de tudo, a visão clara de que as propostas que tendem a se ampliar de uma frente democrática anti-Bolsonaro, quer sejam propostas vindas do PC do B, do PCB, do PT, do PSOL, do PDT, ou de movimentos ou organizações da sociedade civil, sempre, a mesma base social: setores do capital e do estamento político-burocrático. A diferença dos discursos, além de manifestar os distintos interesses de setores da burguesia e do estamento político-burocrático, é fundamentalmente mero artifício eleitoral para disputar os votos, nada expressam da real intenção e programa de governo.
Como todas essas propostas não passam de disputas entre pequenas variantes dos interesses dos burgueses, elas não vão além de mediações para a a ampliação da exploração dos trabalhadores e operários.
Por isso, a esquerda revolucionária não apenas deve denunciar essas frentes e propostas de defesa da democracia, como ainda deve aproveitar a conjuntura para a denúncia do Estado, do capitalismo e para a propaganda da revolução proletária (aquela de Marx e Engels: contra a propriedade privada, o Estado, a família monogâmica e a exploração do ser humano pelo ser humano).
Além disso, alguns outros pontos pode ser assinalados:
1) As políticas desenvolvimentistas do recente passado petista parecem estar enterradas por um longo período de tempo se é que reviverão um dia. Pois sua base de sustentação possível, a aliança do estamento político-burocrático com a burguesia interna, foi destruída pela ofensiva do grande capital internacionalizado e internacional. A recente aliança das novas lideranças do mesmo estamento político-burocrático (Maia, ACM Neto etc.) com o grande capital, após a vitória de Bolsonaro, não parece abrir muito espaço para um retorno do petismo e seu desenvolvimentismo tupiniquim;
2) As políticas neoliberais de Guedes não contam com oposição suficiente para serem contidas e devem avançar nos próximos meses tendo por principal dificuldade as negociações com os deputados, senadores, prefeitos e governadores, por um lado e, por outro, entre as diferentes facções do capital. Recentemente, por exemplo, as dificuldades de um acordo entre o capital comercial, bancário e industrial ao redor da reforma tributária levou a se alterar a agenda, dando preferência pela Reforma Administrativa, na qual todos concordam em reduzir os gastos com o funcionalismo público;
3) Nas próximas eleições, os trabalhadores continuarão sendo ofertados com meras candidaturas do mais do mesmo. Em todo o caso parecem ser cada dia menores as possibilidades de uma reeleição de Bolsonaro, tanto porque sua base parlamentar começa a se desfazer, quanto porque sua popularidade já está em queda;
4) A faceta dita fascista de Bolsonaro não parece ter condições de avançar muito além do que já fomos. Além da ingerência no financiamento cultural e de propostas dificilmente aprováveis no Congresso de reformas da educação, o governo não parece reunir forças políticas e competência gerencial do Estado para avançar em sua pauta mais conservadora. O que não significa que a repressão a tudo o que for expressão dos anseios, necessidades e desejos dos de baixo não possa vir ser mais intensa e sistemática que no passado, contudo até o momento isto não tem sido constatado;
5) A não ser a pouco provável eclosão de uma crise social de proporções explosivas nos próximos meses, uma repressão generalizada às lideranças e grupos de esquerda não está também na ordem do dia. O que parece nos conceder mais algum tempo para fortalecermos nossas medidas de segurança e para intensificarmos nossa propaganda revolucionária;
6) Como nunca em nossa história recente, um tal descontentamento e desconfiança por parte da população em geral para com os políticos, a política e o Estado abre a possibilidade de uma propaganda revolucionária radical, qual seja, contra o Estado, a exploração do ser humano pelo ser humano, a família monogâmica (o patriarcalismo). Dada a paralisia do movimento operário e dos trabalhadores, não há muito mais a ser feito, nestas circunstâncias, do que a propaganda mais ampla e profunda da plataforma revolucionária tradicional.
7) A organização possível e necessária dos revolucionários, em nossos dias, é aquela adequada à realização das tarefas colocadas pela conjuntura. Qual seja: organizar a resistência a uma eventual onda repressiva e organizar a produção e divulgação de material de propaganda revolucionária;
8) A ampliação da propaganda revolucionária requer, desnecessário apontar, também a formação teórica e política dos revolucionários. Um esforço que apenas pode ser coletivo na medida em que houver indivíduos que estudam e fazem parte da coletividade.


[1] A expressão burguesia interna tem sido emprega com grande felicidade por Armando Boito (Boito, Reforma e crise política no Brasil, Ed.Unicamp/Unesp, 2018). Segundo o mesmo autor, uma expressão primeiro empregada por Poulantzas. Não conhecemos o autor grego, por isso não podemos avaliar a maior ou menor proximidade de Boito para com ele e esclarecemos que adotamos esta sugestão no sentido preciso aqui exposto: para indicar uma fração da burguesia cuja reprodução ocorre nos marcos do país e cuja relação com o capital internacional é íntima, porém não imediata ou direta. Os fenômenos Oldebrecht, OAS e JBS estão entre os mais notórios, porém longe de serem os únicos.
[2] O que não evitou, lembremos, que logo em seguida o mesmo Zé Dirceu colocasse seus contatos internacionais do passado em que participou da luta armada à serviço de grandes empresas mundiais. Cf., a reportagem da Piauí, janeiro de 2008, O Consultor.
[3] As classes sociais são sempre e em todos os casos determinação de reflexão, ou seja, apenas existem e são o que são na complexa, mutável, rica e instável relação que mantêm entre si. Isto não cancela, claro está, o momento predominante desta relação (na sociedade capitalista, por exemplo, o momento predominante é a contradição entre a burguesia e o proletariado), mas torna esta atuação muito variada pois se realiza com distintas mediações a cada momento. A luta de classes não pode ser reduzida ao momento predominante da relação entre as classes; contudo, sem a atuação deste momento predominante as distintas determinações e mediações que se interpõem na relação concreta entre as classes sequer poderiam existir. Em poucas palavras, a particularidade concreta da luta de classes a cada momento é a particularidade de uma universalidade cuja essência reside no momento predominante desta relação.

[4] Verdade que alguma aristocracia operária já se fazia presente nos anos de 1950, mas sem a importância econômica e a atuação política que caracterizam a aristocracia operária que conhecemos a partir de meados de 1970.
[5] A existência desta aliança terminou impulsionando um conjunto de teorias que a tomaram como a causa e o fundamento da existência dos Estados de bem-estar. A aliança é uma consequência, é uma decorrência, do desenvolvimento do capitalismo que passou a requerer, mormente depois da I Grande Guerra, da intervenção do Estado para postergar as crises cíclicas e mitigá-las depois de desencadeadas.  Foram as necessidades internas à reprodução do capital que forjou esta aliança. A Escola da Regulação (Benjamin Coriat e Alain Lipietz foram muito citados entre nós) e Alain Bihr (Da grande noite à alternativa, Boitempo, 1998) são exemplos desse equívoco politicista de tomar o fundado (a aliança da aristocracia operária com o grande capital) pelo fundante (as necessidades inerentes à reprodução do capital). Tratamos dessa questão em Capital e Estado de Bem-estar: o caráter de classe das políticas públicas (Instituto Lukács, 2013) em especial nas pp. 126 e ss.
.
[6] Este é um negócio bastante lucrativo para assalariados, a se confiar no relatório do Banco Mundial citado pelo editorial de O Estado de São Paulo de 30 de outubro de 2019: dois terços dos funcionários públicos do país estariam no topo 10% da distribuição de renda.
[7] Conferir, por exemplo, Uma terra de dinastias, The Intercept, Brasil, 1 de julho de 2019.
[8] Estas cifras vieram de O Estado de São Paulo. A ONU avalia a corrupção no país como algo ao redor dos 200 bilhões de reais por ano.

ALGUMAS LIÇÕES A PARTIR DA CONJUNTURA ATUAL

                                                              Por Ivo Tonet Introdução Como se pode ver, inúmeras e importan...